Um disco indispensável: Maldita Vecindad Y Los Hijos del 5to Patio - Maldita Vecindad Y Los Hijos del 5to Patio (Ariola/BMG Music, 1989)

Com a prova de que o rock não poderia seguir sendo apenas um gênero marginal e maldito visto pela sociedade como uma alienação contra o sistema, o México - ou a sua cena roqueira, melhor definindo - conseguiu com a força de diversos grupos, tirar o gênero da clandestinidade. Nomes como o antigo Three Souls in My Mind, que se tornou El Tri, liderado por Alex Lora e que segue aí até hoje desde o fim dos anos 1960, além de nomes como La Revolución de Emiliano Zapata, Dug Dug's, Kenny Y Los Eléctricos, Tex Tex, Luzbel, Ritmo Peligroso e novatos como o pessoal do Green Hat, que depois hispanizou o nome para Sombrero Verde e que em 1985 tornou-se de cara o Maná, que contava com os irmãos Ulises na guitarra e Juan Diego Calleros no baixo, mais o vocalista Fher e o baterista Alex González com apenas 16 anos substituindo Abraham Calleros, irmão de Ulises e Juan, e que conquistaria a América com o tempo. Com a nova onda do rock mexicano impulsionado por um grupo chamado Botellita de Jerez, que visava mostrar suas raízes mexicanas carregadas de influências da cultura do país e abusando do bom humor, misturando rock com doses de teatro e humor, tal qual Blitz fazia por aqui em 1982, dois anos antes dos cucarachas lançarem seu primeiro LP, tornando-se a pedra fundamental para o novo rock mexicano, e ajudando a abrir espaço para grupos novos na época. Logo em 1985, o vocalista Sergio Arau abre junto do seu irmão Fernando a casa de espetáculos Rockotitlán, onde ali o rock mexicano tinha sua voz e vez depois de anos tocando em locais abandonados como cinemas e teatros - os quais se tornaram conhecidos como hoyos funkies (inferninhos) na qual ainda em meados dos 70 as bandas tocavam até o momento da polícia chegar e acabar com a festa. Já com o Rockotitlán, seria festa garantida, e não somente Botellita teriam suas noites marcantes, mas bandas como El Tri, Tex Tex, Maná e futuros nomes como Caifanes, Neón, La Lupita, Fobia, Santa Sabina, Tijuana No! e até um certo conjunto importante dos 90 chamado Café Tacvba tiveram sua consagração ali. Mas, também, em 19 de setembro de 1985, depois da noite de inauguração do templo do rock, uma tragédia nacional podia colocar o país numa situação de incerteza: um terremoto devastou o país e a Cidade do México parecia ter sido derrubada por algum monstro tipo Godzilla. Músicos, personalidades da cena roqueira ajudaram muito mais que o governo, que tentou a todo custo atrapalhar e piorar mais ainda. Encostou-se o dedo na ferida do país, que era há mais de 55 anos governado por um único partido, o Partido Republicano Institucional, o PRI, e que três anos depois, perto de chegar aos 60 anos de poder, jogou sujo para manter-se a ponto de inventar uma pane nos registros de voto na eleição de 1988 consagrando Carlos Salinas de Gortari como mais um líder do PRI no poder. A miséria estava ali, sendo ignorada pelo poder, e no meio dessa miséria, até porque em 1989 os Titãs cantariam "miséria é miséria em qualquer canto", e no México as periferias mostravam o que sobrou do terremoto: miséria, carência de atenção do governo, além de um grupo de músicos que conhecia a realidade daquelas regiões pobres e tinham a revolução ali: jovens fãs de rock, com discursos fortes e totalmente conscientizados socialmente, e o nome fazia jus ao grupo: La Maldita Vecindad Y Los Hijos del 5to Patio, banda que se tornaria um grande fenômeno nos shows do Rockotitlán e conquistando fãs ao longo dos anos.
Com Rolando "Roco" Ortega nos vocais, Aldo Acuña no baixo, Arturo Reyes "Tiki" Hagen nas guitarras, Adrián Navarro "Lobito" Maycote na percussão, Eulalio "Sax" Cervantes no saxofone, guitarras, percussão e acordeon e José Luis Pacho na bateria, alguns dos músicos se encontravam no Colégio de Ciências e Humanidades da UNAM e falavam sobre música e política, além de enaltecerem ícones como Germán "Tin Tan" Valdés (1916-1973) e muito inspirados pelo Botellita - já consagrados no país, viram que ali tinham tudo pra montarem um grande conjunto com suas mexicanidades expostas. A primeira apresentação do grupo foi em um evento do Partido Socialista Unificado Mexicano (PSUM), e logo em 1988 chamam a atenção quando decidem participar de uma manifestação popular contra a fraude eleitoral que favoreceu Salinas de Gortari onde mostrou que os mexicanos não eram manés e foram pras ruas. Logo quem viu o Maldita em um caminhão tocando foi um produtor chamado Oscar López, que cuidava de um projeto dedicado ao público hispânico, o Rock en Tu Idioma, algo exclusivo da gravadora BMG Music que visava trazer mais perto do México nomes como os argentinos Charly García, Miguel Mateos-Zas e G.I.T., os espanhois Radio Futura, Toreros Muertos e o poético-genial Joaquín Sabina, entre outros tantos. Para não fazerem feio, o México foi bem representado em Rock En Tu Idioma: López contratou Neón - liderada por Humberto Calderón (futuro manager de bandas como Cuca e Aterciopelados e brevemente do selo Culebra) com uma verve mais pop, Caifanes que logo no primeiro disco, emplacaram também um single que era uma versão para La Negra Tomasa, um clássico caribenho, e tendo como vocalista e compositor o brilhante Saúl Hernández. López viu o Maldita na manifestação anti-Salinas tocando em um caminhão e em seguida ofereceu a eles um contrato justamente com a BMG, e logo conseguiram em pouco tempo, além de López na produção, contou com uma dupla de peso: o multipremiado e bicampeão de Oscars, o argentino Gustavo Santaolalla, se consolidando como produtor aclamado, e seu parceiro de estrada e de música Anibal Kerpel - os dois foram tendo uma aula de cultura mexicana, o que ajudou muito os argentinos nesse processo de adaptação cultural. Com os estúdios Mag e também o da PolyGram na Cidade do México a disposição, a banda conseguiu junto da dupla Santaolalla & Kerpel mais López encontrar a sonoridade certeira que o disco precisava na visão do conjunto, e enfim, a banda conseguiu botar na praça em 1989 o seu disco de estreia, levando o nome do grupo, Maldita Vecindad Y Los Hijos del 5to Patio -  na quel assumiu a capa do disco e as fotografias, na capa a banda em frente a uma casa humilde e mostrando o subúrbio, o tal do "quinto pátio" de onde vieram. 
O disco abre logo de cara com uma sonzeira pulsante e nervosa, Apañón, onde a marcação rítmica acelerada, o baixo vivo e os solos de Sax com Roco cantando em detalhes a história da brutalidade policial mexicana vivida pelos músicos, a mesma brutalidade de quando frequentavam hoyos funkies no momento em que os "cana" iam atrás dos jovens sem motivo algum numa fusão interessante de ska com fusão de ritmos afrolatinos presentes ali; em seguida, a mistura sensacional de salsa com ska que combina perfeitamente em Rafael, na qual Roco conta sobre reencontrar o amigo, vestido como mulher, e relembra de um conhecido em comum de nome Carlos - no certo um casal homossexual - e admite viver sozinho depois da ausência de Carlos, e que acaba deixando o café depois da conversa - a guitarra embalante e a percussão ajudam muito na sonoridade latina, e o saxofone de Cervantes funciona bem dando esse ar mais caribenho que dá certo; mais adiante, o grupo segue a desfilar pérolas incríveis que fazem parte de um original e sensacional repertório: Morenaza, indo pela influência caribenha, mas também pelas raízes chicanas, é um rock que não deixa provas de que são decepção, aqui a letra trata sobre o fascínio dos vizinhos por uma morena corpulenta pelos detalhes que falam dela, o detalhe fica para a batida forte da percussão e o coro afinado do grupo no refrão com direito a um cantor de ópera incorporado num momento mais instrumental com direito a guitarrada fechando o som; a próxima música traz uma suavidade que parece ser feita pra esta logo ao ouvirmos, e temos de vez aqui o tema Mujer, que é um reggae mais sofisticado, e que leva dentro da canção a história de uma mulher que parece estar perdida num amor que pode custar a ela, e o que era apenas um reggaezinho lento, torna-se um ska nervoso logo de cara, e a evolução funciona bem para a forma como a canção é cantada; na faixa seguinte, mexicanidade pura não fica de fora quando escutamos logo a introdução de Mojado, um rock chicano com um quê de salsa e rumba com a história de uma pessoa amada que partiu e deixou uma nota misteriosa num diário, com uma marcação rítmica nervosa e Sax mandando ver nos sopros além de um instrumental matador puxado pela guitarra de Tiki que encerra a canção
; sem sair do embalo, a banda mata a pau e segue a deixar rolar em Bailando, um ska acelerado e que nada tem a dever, onde envolve uma história de amor em uma noite de baile, bem no estilo de histórias mexicanas em que você não consegue conquistar a companhia perfeita, e aqui Roco manda muito nos vocais enquanto essa fusão acaba gerando um chumbo grosso, a guitarra e os saxes de Cervantes mandam muito bem aqui; nada aqui que chegue a ser tão chato para quem ainda quer descobrir o rock mexicano, os vizinhos ainda jogam com tudo na sonzeira de Apariencias em que aqui fala do jovem descolado e de mente aberta que lê Freud e critica quem o julga, diferente dos mauricinhos típicos, o som bem original mostra que a cozinha dá um bom resultado final quando escutamos; e falando em final, chegamos à última faixa desta delícia chicana que acaba soando perfeita por sinal, Supermercado é a realidade do trabalhador mexicano em tempos difíceis: crise financeiras, mudanças nos preços, desemprego, a visão de um funcionário de um mercado que conhecia o momento que o país passava, com a levada de um ska bem mais pesado e carregado pela energia dos instrumentos executados e com um ruído que parece ser de um tiro avisando o que podia vir pela frente.
O rock mexicano na virada dos 1980 para os 1990 começa a ganhar um impulso maior com essa cena sendo visível ao público e ao mundo em si, o país ficara pequeno pra tanta banda de rock, e logo com a consagração, acabam atraindo um grande público e influenciando gente como dois jovens que frequentavam os shows do Maldita: esses dois eram José Alfredo "Joselo" Rangel e Rubén Isaac Albarrán Ortega, que, influenciados por Botellita, Maldita e o rock alternativo, criam com o irmão de José, Enrique "Quique" Rangel e Emmanuel "Meme" del Real o Café Tacvba, e logo Rubén entrega uma demo para Roco e que passa pelas mãos de Santaolalla e Kerpel, e são convidados a irem no estúdio bem no momento em que o Maldita Vecindad gravava seu segundo LP intitulado El Circo, mas aí já é uma outra história. É fato que o primeiro disco deu uma repercussão a ponto de manter influindo grupos e sendo referências para discos, e com os anos, o grupo conseguiu figurar seu disco de estreia na 41ª posição na lista dos 70 melhores discos de rock mexicano organizada pelo site RegiónCuatro, e a banda segue na ativa, mesmo sem muitos integrantes antigos e sem Sax, falecido no ano passado.
Set do disco:
1 - Apañón(Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)
2 - Rafael (Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)
3 - Morenaza (Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)
4 - Mujer (Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)
5 - Mojado (Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)
6 - Bailando (Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)
7 - Apariencias (Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)
8 - Supermercado (Roco/Aldo/Sax/Pacho/Lobito/Tiki)

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