Um disco indispensável: The Gilded Palace of Sin - The Flying Burrito Brothers (A&M Records, 1969)

Ao longo de boa parte da década de 1960, o que surgiu de figuras icônicas e doidões notórios, não se imagina o quanto eles aprontaram: desde o doidão psycho do Lee Harvey Oswald - o cara que cometeu o crime de ter matado John Fitzgerald Kennedy durante um desfile em Dallas, passando pelos doidões do rock como o rolling stone Brian Jones, passando por outros nomes como Janis Joplin, Jimi Hendrix, Jim Morrison, Sly Stone, Mick Jagger, Jerry Garcia entre outros, mas, doidão que fez história e cheio de aventuras "alucicrazies" e que ainda é um personagem considerado mítico do rock e do country foi Gram Parsons - nascido como Ingram Cecil Connor III no dia 5 de novembro de 1946, filho de uma herdeira da produção de laranjas na Flórida e de um militar da Força Aérea americana, era bem a criança rica norte-americana cheia de brinquedos, um miniparque e tudo mais - só que o pai de Gram, o militar Ingram Cecil Connor Jr., conhecido também como Coon Dog, se suicidara às vésperas do Natal em 1958, o que abalou muito a Gram. Logo, sua mãe conhece Robert Parsons, com quem se casa e acaba adotando Gram e sua irmã Avis - logo no que Gram fica bem próximo do padrasto, descobre Elvis Presley e sua vida muda de rumo. Ali que ele torna-se na vontade de ser astro do rock com  direito até a um "quartinho de música" dentro de casa, ele já inicia sua jornada artística em princípios dos 1960 até que em 1965, sua mãe falece em decorrência do alcoolismo (boatos de que Robert levava bebida ao hospital onde estava e que teria sido o culpado pela dose fatal que a levou) e isso o abalou, colocando suas esperanças no rock. Em 1966, chega a Los Angeles após um período cursando Teologia na Universidade de Harvard e monta a banda The International Submarine Band, na qual ele decide fusionar o rock com um de seus derivados, a música country norte-americana - Parsons se vidrou no country desde que assistiu a um concerto de Merle Haggard ainda anos antes. Com a The International Submarine Band, ele gravou um LP inclusive, no longínquo ano de 1967 intitulado Safe at Home através de um selo chamado LHI, cujo proprietário era o cantor country Lee Hazelwood, na época com uma dupla que formava com Nancy Sinatra. Durante suas andanças por Los Angeles, acabou se encontrando com um cara genial e que ficou fã do seu trabalho, era o músico David Crosby, que o convidou para participar do conjunto The Byrds, onde levou sua ideia de country rock ao extremo no disco Sweetheart of the Rodeo em 1968, e depois disso, Parsons decide sair do grupo - uns dizem que ele teria recusado a participar da tour pela África do Sul devido ao apartheid, outros dizem que ele queria viver e curtir a louca jornada com o amigo Keith Richards - sim, o stone e ele eram amicíssimos de música e altas dorgas! E logo depois, ele e Chris Hillman - baixista dos Byrds com quem havia se desentendido ao sair do grupo - fazem as pazes e se juntam em mais outra aventura pra lá de louca.
Hillman e Parsons juntam-se a Sneaky Pete Kleinow (1934-2007), músico brilhante que além de ser guitarrista country notório, também trabalhou com animações e mídia, viria a trabalhar com diversos nomes do pop, além do baixista Chris Ethridge para completar a trupe. Logo de cara, assinam um contrato com a gravadora A&M Records, cujo um dos proprietários e fundadores era o lendário trompetista e bandleader Herb Alpert, e tinha em seu cast nomes que iam desde Burt Bacharach e Liza Minelli até o brasileiro Sergio Mendes inclusive. As gravações do LP foram de novembro e dezembro de 1968, e o pacote só sairia mesmo em fevereiro de 1969, com uma capa icônica: a banda, em frente a uma espécie de casa humilde de madeira no meio do deserto no Joshua Tree com a banda usando icônicos ternos Nudie, obras-primas do estilista Nudie Cohn  (1902-1984) dando destaque ao terno de Parsons que além de estampar belíssimas flores, traz também ramos de maconha e nas golas um desenho de mulher nua - e acompanhado de duas beldades. O álbum logo de cara começa com uma pegada ácida de violão na introdução de Christine's Tune, uma bela canção viajandona de country com toques de soul, a canção fala sobre uma das musas do grupo, a groupie Christine Frka, com quem Hillman teve um caso, e que não acabou lá muito bem, aqui temos um solo de guitarra chapante e um momento genial de Sneaky Pete no steel guitar, e Jon Corneal na bateria fazendo uma boa levada rítmica; a seguir, temos mais outra pérola que garante a audição do disco e mostra o que não podemos perder por aqui é Sin City, considerada uma ode à loucura de Los Angeles e evocando versos repletos de ligações a referências bíblicas, e a influência do rock da época fazendo-se notória por aqui; na sequência, a combinação canções impressionantes + fusão viajandona de country com rock psicodélico perdura até por canções como Do Right Woman, uma versão para um clássico que fora gravado por Aretha Franklin dois anos antes em
I Never Loved a Man The Way I Love You, um dos clássicos da música soul - na visão feminina, fala sobre o amor e o respeito que ela gostaria que tivesse, o que funciona bem na versão dos Irmãos Burritos Voadores com a levada lenta, e que se destaca bem; na próxima música, outra releitura de canção soul presente é Dark End of The Street, bem conhecida na voz de James Carr, falando sobre um casal que vive a ter seus encontros na escuridão do final de uma rua às escondidas, pois ambos estão com outros relacionamentos, e o arranjo prova a genialidade dos caras - tanto esta quanto a faixa anterior são de autoria de Chips Moman em parceria com Dan Penn, só para avisar; com o clima bem empolgante pela levada, My Uncle envolve a história sobre suspeitos negócios em família e provavelmente em Vancouver, no Canadá ligando também a uma história de guerra, o solo de steel guitar do Sneaky Pete acaba soando perfeito, e as vozes de Gram e Hillman fazem uma bela combinação melódica por aqui com a levada rítmica de Jon Corneal que dão o tom; em seguida, a dupla dos irmãos burritos voadores continua a entoar belas canções como Wheels, uma aventura pela estrada sobre rodas onde eles estão a fim de se arriscarem sem medo, e com um arranjo dando presença ao som das guitarras e da linha de baixo; para a próxima música, uma daquelas historinhas de amor linda de se ouvir, mas que aqui tem a lisergia poético-sonora encabeçada pela dupla principal através de Juanita onde se traz as incertezas e desilusões de um rapaz e seu relacionamento envolvendo uma garota de 17 anos, um pouco bizarro, e um conjunto de melodias incomparável que dá o tom que a música merece; como qualquer disco da época, há uma bela fusão de sensualismo e psicodelia, que torna-se uma espécie aqui de canto da sereia, como no caso de Hot Burrito #1, onde um jovem conversa com sua companheira sobre ela nunca encontrar em outro homem o que ela encontra no eu-lírico da canção, o tom viajandão da música movido pela guitarra chapante com um efeito wahwah que marca e o piano tocado por Chris Ethridge que forma a espinha dorsal da base conora com a bateria de Popeye Philips - são quatro bateristas diferentes ao longo do disco, se acostumem; seguindo o baile, ainda temos uma bela baladinha roqueira com ares mais pop do que só country, Hot Burrito #2 é aquela cançãozinha simples que dá um ar de gospel, porque ao mesmo tempo em que o cara lamenta sobre o amor, ele menciona Jesus e encerra no instrumental com um solo de guitarra nervoso que dura o restante da canção; ainda trazendo coisas impressionantes como por exemplo a canção mais curta do LP, com dois minutos e oito segundos de duração - Do You Know How It Feels, mais uma daquelas canções envolvendo sentimentalismo e dor-de-cotovelo onde Gram desabafa sobre a sensação de estar mais solitário, com uma guitarra melódica e a bateria de Eddie Hoh além dos solos inspirativos de Sneaky Pete - sempre mágicos; o encerramento deste LP fica por conta de um tema que retrata essa segunda metade dos 1960, Hippie Boy traz a narrativa de um dos tantos icônicos transeuntes que bradavam por paz e amor além de consumirem maconha e LSD, num estilo dylanesco de canto falado ao longo de seus quase cinco minutos que traz um órgão reinando ao longo da canção e fecha com uma ovação festiva de forma brilhante.
Ao longo de 1969, o grupo seguiu a divulgar o disco em uma temporada de concertos percorrendo os EUA e o Canadá de trem e indo como podia, o problema é que o LP não foi muito bem de vendagens à época como alguns títulos psicodélicos que ganhariam um culto enorme mais adiante. Um ano depois, eles lançam o segundo trabalho, mantendo o astral de cowboy psicodélico em Burrito Deluxe, mas aí já é uma outra história. Gram Parsons não viveu a tempo de ver sua música cultuada nos tempos de hoje, pois, ao terminar as gravações de um disco solo, ele viria a falecer de overdose em um motel na região do Joshua Tree em 1973, deixando dois LPs solos, sendo que Grievous Angel - seu segundo e último - foi lançado postumamente. Passam-se os anos, e The Gilded Palace of Sin entrou nos ouvidos de gente como Vince Gill, Clint Black, Randy Travis e Alan Jackson, e vindo a anteceder o chamado alt-country, o chamado country alternativo e bandas como Wilco, Uncle Tupelo e The Jaywahks, e não esquecendo a presença deste álbum em listas diversas, como a dos 1001 Discos Para Ouvir Antes de Morrer, e na da revista Rolling Stone dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos ocupa desde a edição de 2003 a 192ª posição - e com isto, mostra como álbuns assim conseguem influenciar e causar a nossa vida depois da primeira viagem sonora.
Set do disco:
1 - Christine's Tune (Gram Parsons/Chris Hillman)
2 - Sin City (Chris Hillman/Gram Parsons)
3 - Do Right Woman (Chips Moman/Dan Penn)
4 - Dark End of The Street (Chips Moman/Dan Penn)
5 - My Uncle (Gram Parsons/Chris Hillman)
6 - Wheels (Chris Hillman/Gram Parsons)
7 - Juanita (Chris Hillman/Gram Parsons)
8 - Hot Burrito #1 (Gram Parsons/Chris Ethridge)
9 - Hot Burrito #2 (Gram Parsons/Chris Ethridge)
10 - Do You Know How It Feels (Gram Parsons/Barry Goldberg)
11 - Hippie Boy (Chris Hillman/Gram Parsons)

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