Aftermath - The Rolling Stones (London Records/Decca Records/ABKCO, 1966)
Nunca antes na história dos EUA desde a colonização, houve uma invasão britânica que causasse um impacto cultural tão forte quanto o das bandas de rock que começavam a acontecer a partir de 1964, ano em que os Beatles começaram a acontecer graças ao estouro de canções como I Want to Hold Your Hand e também de She Loves You, após muita insistência do manager Brian Epstein para ajudar a Capitol Records, representante da EMI Music na terra do Tio Sam, promover massivamente o sucesso do conjunto no país realizando uma espécie de american dream, e ajudando assim a abrir as portas logo de cara para outros grupos, tal como os modernos e inovadores dos The Who - e pioneiros do termo mod, os rebeldes e vanguardista dos Kinks, impulsionados pelo sucesso de You Really Got Me, lançado em 1964 e colocando Ray Davies ao status de gênio do rock pelo fato de ser autor de canções muito recheadas de histórias e personagens, mas, que sofreu com o fato de a banda não ter pisado por quatro anos no país por motivos até hoje desconhecidos. Mas, quem se destacou muito na onda de conjuntos britânicos a fazerem a América (termo designado aos imigrantes europeus que saíam de suas terras para começarem uma vida nova e crescerem financeiramente na América, seja do Norte ou do Sul) foram os chamados bad boys, jovens amantes do blues americano que decidiram sair do desconhecido em Londres para se tornarem hoje os gigantes do bom e velho rock and roll: os Rolling Stones! Tendo ali como formação a voz rascante e os lábios carnudos de Mick Jagger, a guitarra arrasadora e jurássica de Keith Richards, o talento além das cordas guitarreiras de Brian Jones, o baixo pulsante de Bill Wyman e a bateria refinada e ao mesmo tempo agressiva de Charlie Watts, além da inclusão do pianista Ian Stewart como um integrante de apoio que acompanhou a banda por anos. Um dos principais fatores que ajudavam no sucesso dos Stones foi justamente a imagem de rebeldes, controversos e que tinham muita coragem para baterem de frente com o quarteto de Liverpool, que estampavam aquele bom-mocismo cheio de arranjos perfeitos, guitarras melódicas e vocais afinados - sim, se ouvir melhor John Lennon e Paul McCartney mais George Harrison entre 1962 e 65, a harmonia nunca faltou nem depois desta fase nos vocais deles. Os Stones eram diferentes até na forma de fazerem rock, não dizendo vanguardistas, mas eram muito mais diferentes e iam numa mesma direção que os Kinks e o Who, embora não quebrassem os instrumentos como a última banda e tinham sim seu Shel Talmy ou George Martin, e este cara se chamava Andrew Loog Oldham, o principal produtor dos primeiros anos que encabeçou os rebeldes amantes da música estadunidense de raiz negra. No primeiro disco, haviam muito mais covers de músicas de Chuck Berry, Rufus Thomas, Willie Dixon, os irmãos Brian e Eddie Holland e Lamont Dozier, Buddy Holly e Bo Didley, e apenas uma composição da dupla de autores Jagger & Richards - Tell Me (You're Coming Back) que já trazia a fusão perfeita da parceria, e já haviam emplacado canções como Little By Little, It's All Over Now, Time is on My Side, Heart of Stone e logo de cara dominando de vez com (I Can't Get No) Satisfaction, o grande sucesso da banda que os colocou no patamar de clássicos e dominando de vez o topo das paradas mundiais. Com o impulso de Satisfaction ajudando ainda mais o grupo a crescer musicalmente, os Stones convertem-se em ícones pop ao mesmo nível de uns tais de Beatles, chamando a atenção de um empresário americano chamado Allen Klein, que cuidaria da carreira da banda durante um breve período, enquanto Oldham preferiu manter-se no papel de produtor musical da banda. Com a entrada de Klein, o dinheiro começou a pintar após a banda receber por intermédio dele um adiantamento de 1 milhão de libras forçado para que a banda pudesse adiquirir casas de campo e carros novos luxuosos e dando a eles um status melhor de riqueza - enfim, os roqueiros mostram sua ostentação e se elevam a uma condição de vida melhor.
Uma nova tour nos EUA, logo de cara, preparam mais um trabalho que, desta vez, tentava ir mais além do que a banda era acostumada - durante o período de dezembro de 1965 à março de 1966, Jagger, Richards, Jones, Wyman e Watts adentraram aos estúdios da RCA em Los Angeles, onde já estavam acostumados a gravar desde 1964, e decidiram trazer um conjunto de canções inéditas desta vez, sem inserir covers de temas dos primórdios do rock, ou de clássicos do blues como sempre de costume - um disco definitivamente 100% Jagger & Richards. Lançado em 15 de abril, um mês após o término das gravações, Aftermath mostrava um amadurecimento sonoro da banda, indo além do blues, colocou os Stones em um caminho que flerta com o art rock e próximo ao psicodelismo que estava florescendo, a capa na edição inglesa publicada pela Decca Records traz uma foto da banda feita por Guy Webster em relevo preto-e-rosa com o título do disco em branco enquanto a da edição americana pela London Records estampa a banda num clique feito por David Bailey onde podemos ver a imagem bem distorcida e borrada em um fundo preto, sinais do que seria a sonoridade da banda adiante. Pelo disco contar com edições diferentes, a americana contando com 11 faixas e a inglesa com 14 (três faixas de diferença e uma mudança na faixa de abertura), Aftermath pelo menos não difere-se muito de cada edição - se é o caso. Ao falarmos sobre o disco, vamos começando pela faixa que abre a edição americana, a brilhante Paint It Black é um rockão pesado tendo a presença da sitar indiana (que já havia sido usada por George Harrison em Rubber Soul) com ares de música mexicana, só que mais voltado aos ragas indianos, e, por meio das metáforas que são vistas com base nas cores, Jagger deve ter se inspirado nas novelas do irlandês James Joyce, e soa como também a história de um cara saindo de um funeral em clima de luto, tentando se esconder dentro da dor mesmo com tantos outros problemas, e é um grande destaque mesmo; abrindo a edição inglesa pela Decca, aqui temos Mother's Little Helper, um rock pulsante e nervoso onde a banda acaba por mexer num ponto que até então era curioso, o vício em pílulas, e sem muito erro, a banda manda bala sonoramente com uma guitarra cheia de fuzz desfilando sons incríveis; a seguir, um dos outros temas destacáveis neste disco, Stupid Girl até que brinca de forma um pouco misógina com os protótipos femininos, aparentemente desagradantes, e isso surgiu no momento em que a banda, enquanto na estrada, era literalmente o desejo de muitas garotas o sonho de namorar algum stone segundo Jagger - o rock garageiro de época dá o tom desejado pra canção; enquanto alguns temas acabam por brincar de forma meio sem-graça com os protótipos femininos, em Lady Jane há uma história curiosa: ao lerem o controverso livro O Amante de Lady Chatterley onde usam o nome da música como metáfora para a genitália feminina, mas há um fato que coincide sobre falar da filha de um embaixador britânico em Washington D.C., que se casara com o dono de uma boutique em Chelsea muito frequentada pela banda, a marcação rítmica é muito brilhante e a presença de outros instrumentos, no caso de um dúlcimer dos Appalaches também conhecido como saltério, e ainda dá um bom resultado essa mistura gerando num som mais voltado ao pop barroco; continuando essa análise, o repertório ainda flui também com temas que ficaram muito marcados até hoje, em especial as músicas da banda - Under My Thumb é um beat pulsante com uma baita linha de baixo fuzz tocada por Wyman e Jones tocando marimbas, aqui Mick fala sobre uma análise pessoal de uma luta pelo poder sexual onde admite ter ganhado e levado vantagem sobre uma mulher anteriormente agressiva e dominadora - uma possível referência a um tipo de discurso antifeminista - que causou muito na época devido aos versos e acusando a banda de chauvinismo, apesar de nos shows recentes a banda nem tocar muito em seus concertos; das poucas músicas de Aftermath que passam batido, uma delas tem o seu devido valor para os stoners mais devotos da obra da banda, falo sobre Dontcha Bother Me, um hino que traz aqui a essência de blues que lançou a banda, numa letra considerada menos inspiradora para a dupla, trata-se do recado para Jagger e Richards literalmente se perderem do perverso circo midiático que girava em torno da banda naquele auge e evitar por longos tempos os fãs que os perseguiam também, e a guitarra deixando um rastro marcante como sempre; chegamos ao auge do primeiro lado do disco (procede?) com um tema que releva mais ainda a semente blueseira da banda, falo aqui sobre Goin' Home, a história de um cara que sente saudades de sua amada e deseja logo voltar pra casa com tantas coisas a contar, e o que é pra ser um simples blues stoniano, se torna também uma jam session onde vão aos onze minutos de duração, com Brian na gaita, Jack Nitzsche nas maracas e Ian Stewart matando a pau no piano pra valer - uma jam e tanto gravada em Hollywood nos estúdios da RCA quando feito.
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Capa da edição lançada nos EUA (Reprodução/Universal Music) |
Enfim, os Stones estavam chegando ao seu auge seguido do estouro do LP Out of Our Heads e em especial de Satisfaction os fizeram totalmente segurarem a barra enquanto os Beatles já com Revolver já tinham feito 1966, assim como a genial Pet Sounds, dos californianos Beach Boys abriam as portas para a psicodelia e a expansão revolucionária sonora. A banda estava in loco divulgando seu LP, apresentando os temas, e logo meses depois, voltaram aos estúdios, onde gravariam em seguida nos mesmos RCA Studios Hollywood o que seria o último trabalho com Oldham na produção - o também sensacional Beetween the Buttons, mas isto aí já é uma outra história! O sucesso de Aftermath influenciou muito não somente o que seria o rock setentista, mas em especial a psicodelia vigente nos meses que sucederam e também no britpop se for parar pra ouvir - independente da edição, mostrou uma nova direção ao som do restante da década, e rendendo posições em diversas listas, a Pitchfork a consagrou no 98º lugar na dos 200 Melhores Álbuns dos 1960, mais o merecido 108º lugar na lista dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos organizado pela Rolling Stone e também na célebre dos 1001 Álbuns Para Ouvir Antes de Morrer - o disco é uma prova material de que as pedras seguem ainda a rolar 60 anos depois.
SET DO DISCO (EDIÇÃO INGLESA):
1 - Mother's Little Helper (Mick Jagger/Keith Richards)
2 - Stupid Girl (Mick Jagger/Keith Richards)
3 - Lady Jane (Mick Jagger/Keith Richards)
4 - Under My Thumb (Mick Jagger/Keith Richards)
5 - Dontcha Bother Me (Mick Jagger/Keith Richards)
6 - Goin' Home (Mick Jagger/Keith Richards)
7 - Flight 505 (Mick Jagger/Keith Richards)
8 - High And Dry (Mick Jagger/Keith Richards)
9 - Out of Time (Mick Jagger/Keith Richards)
10 - It's Not Easy (Mick Jagger/Keith Richards)
11 - I Am Waiting (Mick Jagger/Keith Richards)
12 - Take It or Leave It (Mick Jagger/Keith Richards)
13 - Think (Mick Jagger/Keith Richards)
14 - What To Do (Mick Jagger/Keith Richards)
SET DO DISCO (EDIÇÃO ESTADUNIDENSE):
1 - Paint It Black (Mick Jagger/Keith Richards)
2 - Stupid Girl (Mick Jagger/Keith Richards)
3 - Lady Jane (Mick Jagger/Keith Richards)
4 - Under My Thumb (Mick Jagger/Keith Richards)
5 - Dontcha Bother Me (Mick Jagger/Keith Richards)
6 - Think (Mick Jagger/Keith Richards)
7 - Flight 505 (Mick Jagger/Keith Richards)
8 - High And Dry (Mick Jagger/Keith Richards)
9 - It's Not Easy (Mick Jagger/Keith Richards)
10 - I Am Waiting (Mick Jagger/Keith Richards)
11 - Goin' Home (Mick Jagger/Keith Richards)
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