Um disco indispensável: Re - Café Tacvba (WEA Music, 1994)

O rock mexicano nunca viveu um auge tão glorioso quanto nos anos 1990, com a nova expansão do pop rock no idioma de Cervantes através de grupos como os argentinos Soda Stereo, Enanitos Verdes, Miguel Mateos-Zas e também Charly García, Fito Páez, Andrés Calamaro, os chilenos do Los Prisioneros, La Ley e do Los Tres, os espanhóis do Los Toreros Muertos, Radio Futura, El Último de la Fila, Alaska y Dínama, Mecano, Joaquín Sabina, os uruguaios do Los Traidores, Estómagos, Niquel, Buitres Después de La Una, Cuarteto de Nos, Jaime Roos - embora seja muito mais voltado à música popular do país misturando elementos do rock e jazz com candombe e até folklore, e o sucesso de diversos nomes da América Latina acontecia não somente dentro do país natal de cada banda, mas especificamente no México, onde também estava acontecendo uma cena interessante a partir dos meados de 1980 em geral. Já com nomes aclamados, como o veterano Javier Bátiz, o grupo El Tri, o promissor Rodrigo "Rockdrigo" González, e os novos expoentes daquele gênero que um dia foi proibido sua execução nas rádios porque causava incentivo à repressão e ao consumo de drogas ilícitas após o escandaloso festival de Avándaro em uma pista de automobilismo em 1971, que causou furor para os conservadores, uma vez que o país da tequila e dos burritos foi governado pelo PRI de 1929 até 2000 - ou seja, 70 anos no poder, e quem presidia o México pelo PRI (Partido Revolucionario Institucional) nessa época de Avándaro era Luis Echeverría. A gravadora BMG-Ariola mexicana investiu em uma série a partir de 1987 chamada Rock en Tu Idioma, propagando nomes não somente do México, mas também da Argentina, Chile, Espanha entre outros, e desta safra surgiram produtores atrás do ouro perfeito - Óscar López, argentino, lançou diversos nomes bons, assim como seu xará de sobrenome e ex-baixista do Los Abuelos de la Nada e também do Zas, Cachorro, e dois nomes quase jurássicos - Gustavo Santaolalla, ex-Arco Iris e Soluna, e Anibal Kerpel, ex-tecladista do Crucis - em 1981 nos EUA, eles chegaram a montar um grupo de new wave mais puxado para o pós-punk britânico chamado Wet Picnic. O rock mexicano começou a ganhar força com nomes envolvendo Botellita de Jérez, Caifanes, Fobia, Neón, Maldita Vecindad y Los Hijos del 5to Patio - à exceção do Botellita, o restante foi lançado tudo pela BMG Music, e Humberto Calderón fundou na mesma um selo lançando bandas alternativas chamado Culebra, de onde saiu Cuca, Santa Sabina, La Lupita, Tijuana No!, o próprio Maldita Vecindad, Fratta, La Castañeda e nomes fora do país como os colombianos Aterciopelados, La Derecha e 1280 Almas além de distribuir títulos do Los Auténticos Decadentes (Argentina) e o nosso Pato Fu (BR, CAAAARAJOOO). No final dos 1980, assim como o surgimento de outros nomes na terra de Cantinflas e Chespirito a exemplo de Maná - tornando-se de cara um dos maiores best-sellers do pop rock em espanhol e especialistas em fazerem sucessos e lotarem diversas casas de espetáculo mundo afora (e seus discos vendendo muito), e um quarteto formado em Ciudad Satélite, uma região humilde situada em Nauclapan de Juárez, no Estado de México, onde jovens como Ruben Albarrán e Joselo Rangel estudavam na Universidade Autônoma Metropolitana, na capital - Joselo estudava desenho industrial e Rubén design gráfico - ambos tinham banda, o primeiro integrava a Shine e o último era vocalista na Torah, então ambos se aproximaram de imediato e começaram a descobrir o gosto em comum pela música.

O grupo com Gustavo Santaolalla (de boina), responsável pelo
lançamento da banda, e do músico David Byrne (na frente, com a

guitarra), um dos tantos fascinados pela música do grupo: a música do
Café Tacvba atravessou fronteiras e levou a conquistar até os EUA.

A amizade iniciou enquanto cursavam e logo após o terremoto de 1985 que parou um México naquele momento, adoravam ouvir bandas por um radiocassete e logo formaram um grupo chamado Alicia Ya No Vive Aquí (sim, esse era o nome) em 1987 inspirado em conjuntos como The Cure, Love and Rockets e os espanhóís do La Unión - com a entrada do irmão de Joselo, Quique Rangel, o grupo começa a se desenvolver e formam com Roberto Silva (não confundir com o sambista daqui), porém, foi substituído por um rapaz magrelo alto chamado Emmanuel del Real, nos teclados e máquina de ritmos. A partir de 1989, trocam o nome para Café Tacvba, inspirado em uma das cafeterias do Centro Cultural da Cidade do México, justamente o tradicional Café de Tacuba - só tirando o "de" e trocando o "u" do nome pela letra seguinte, e com este nome, o grupo estava pronto, onde Rubén assumia os vocais, Joselo guitarras, teclados e efeitos, Quique o baixo e alguns instrumentos de cordas mexicanos, e Emmanuel nos teclados, máquinas de ritmos e ocasionalmente guitarra e também escaleta ou melodião (aquele tecladinho que soa como gaita com sopro), e sua primeira apresentação ocorreu em 27 de maio de 1989 no bar El Hijo del Cuervo, e logo começam a tocar nos diversos lugares do México já chamando a atenção pelo flerte com as raízes onde unem ritmos tradicionais (son, rancheras, huapangos e a sonoridade do norte chicano) com elementos do tipo ska, punk, alternativo, jazz dentre outros. O fato de serem uma banda diferenciada que não tinha um baterista fixo (uma vez que Emmanuel programava os ritmos) já era de chamar a atenção até a crítica, e foi preciso eles gravarem uma fita demo e encontrarem o produtor Gustavo Santaolalla para que assim o grupo tivesse saltos maiores, e ainda era só o começo. Santaolalla mostrou a fita para o colega Anibal Kerpel, que no começo não entendeu o som, mas, sob a orientação do colega, reouviu e entendeu, separando cada instrumento decifrado de ouvido - assim que descobrem em mãos que tinham mais um sucesso, em 1991, Gustavo consegue de imediato ao conjunto um contrato com a Warner Music, que buscava através do executivo sírio-franco-brasileiro André Midani criar uma sucursal latino-americana distribuindo diversos artistas do território: na Argentina vinha Fito Páez, os chilenos do La Ley, os espanhóis Hombres G mais o romântico Alejandro Sanz, e sem esquecer os mexicanos do Maná e o próprio Tacvba (além de Luis Miguel). Com o disco sendo gravado sob a batuta de don Santaolalla e de don Kerpel com o luxo dos estúdios americanos e no país da teledramaturgia icônica, 1991 foi um preparo para o futuro. Pois bem, com o material já pronto, eles decidem de cara chamar a atenção justo no visual gráfico com um estilo mais alternativo e unindo a arte mexicana com a popart de Andy Warhol, Peter Blake, Rogério Duarte entre outros logo no disco de estreia que leva o nome do conjunto - com menos de 40 minutos, eles atravessam por diversos caminhos que se cruzam no sentido sonoro - dos ritmos tradicionais misturados com rock, ska, hip hop, reggae entre outros e soavam totalmente diferente das apresentações ao vivo, sempre com um som cru e de identidade única, o último item citado permaneceu nos discos do grupo, que, de cara, foi convidado a abrir a edição 1992 do festival Lollapalooza, edição que tinha nomes como Red Hot Chili Peppers, Ministry, Ice Cube, Pearl Jam, Soundgarden, Ice Cube, Jesus and Mary Chain e Lush - os tacvbos eram a atração de abertura, e Rubén viria a brincar com a situação na série documental Rompan Todo: Una Historia de Rock en Latinoamérica (2020) (TEM NA NETFLIX) sobre tocarem para uma pequena multidão que constava em alguns funcionários da limpeza mexicanos residentes nos EUA, Santaolalla e o empresário da banda. Logo de cara, seguiram embarcando no sucesso do álbum após as primeiras apresentações internacionais a fim de divulgar o primeiro CD nos vizinhos ianques, e com os sucessos María - e seu videoclipe incrível com ar de filme antigo, Las Persianas (o tema que foi gravado na demo oferecida a Gustavo), Las Batallas e a icônica Chica Banda traziam essa essência que tinha algo muito politizado, cheio de críticas e pérolas geniais, mas também letras cômicas e alegres, apesar de algumas serem pesadas (o caso de Cometer Suicidio já diz tudo) que poderiam não ser mais executadas ao vivo. México parecia estar em um bom momento na cultura, mas a política do PRI já estava incomodando demais, buscavam renovação, e quando o então presidente Carlos Salinas de Gortari, eleito em 1988, já estava entregando o poder ao sucessor do mesmo partido, em 1994, um movimento formado por guerrilheiros de origens nativas começavam a tomar cabeceras municipais (zonas administrativas de uma região ou município) no estado de Chiapas - era o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN) botando o terror para desgosto de Salinas no momento em que o Tratado de Livre Comércio da América do Norte entrava em vigor sob o pretexto de colocar o México num escalão de Primeiro Mundo obviamente. Dois meses depois, o candidato Luis Donaldo Colossio, que era do PRI e estava rompendo com Salinas após fazer discursos sobre abuso de poder, comunidades indígenas - o que poderia causar um chiado dentro da diretoria do partido, sofreu um assassinato durante uma passagem de campanha política em Tijuana, e a quatro meses da eleição, ele foi substituído por Ernesto Zedillo - o último presidente do PRI a governar o país nos seus mais de 70 anos no poder. Meses depois, o cunhado de Salinas, José Francisco Ruiz Masseau, ex-governador no estado Guerrero e secretário-geral do PRI também era baleado na capital mexicana. A política mexicana estava fervorosa, o clima parecia ser totalmente de guerra, e o EZLN se tornava o movimento preferido de diversos artistas, inclusive de Rubén - e muitos artistas vieram a fazer concertos em benefício do movimento.
Com isto, o Café Tacvba também estava pronto para revolucionar no seu próximo trabalho, e poucos percebiam isto até que o conjunto entrasse novamente em estúdio com o mesmo Santaolalla e Kerpel na produção, mas com uma proposta totalmente diferente do disco de estreia, e esse resultado ao disco seguinte daria muito certo mesmo. 
Após o surgimento nacional do EZLN, é que os tacvbos decidem começar a compor o material do que seria o segundo CD do conjunto, gravando uma demo com vinte faixas para que Gustavo vesse qual entraria no próximo trabalho - ele escolheu todas para entrarem, o que é um caso considerado até raro! Com temáticas que ainda mantinham o bom humor de sempre nas letras, decidiram colocar mais ativismo social nas poesias, e continuando unindo as raízes da cultura local com o elementos mundiais pop, mantendo a parceria com a dupla de produtores, eles entram em estúdio em Cuernavaca e em Los Angeles, gravando no Devonshire e no Can-Am Sound Studios, tendo dentre os músicos convidados Harry Scorzo no violino, Roberto Hdez no trompete, Luis Conte na percussão, o grupo Cielo Y Tierra nos coros, Ramón Stagnaro no requinto, James Mason no sax, Renee Grizell na flauta, Melissa Hassin no cello e, claro, Santaolalla no violão dando uma canja - um time de músicos e tanto para ajudar o quarteto a buscar nas raízes indígenas e espanholas a linguagem sonora que eles visavam. Lançado em julho de 1994, meses após as trágicas perdas do músico Kurt Cobain, na época, vocalista e guitarrista do conjunto Nirvana, do piloto de fórmula 1 Ayrton Senna, e no dia seguinte depois do Brasil ser tetracampeão da Copa do Mundo em pleno território ianque com Romário em seu auge e Ronaldo em começo de carreira futebolística, o segundo álbum intitulado Re acabou agradando mesmo até o chefão da sucursal latina, André Midani (1932-2019) com 20 faixas e uma hora de duração. O trabalho logo de cara começa com um tema enraizado na levada andina, mas também evocando raízes mexicanas como o son através de instrumentos como a jarana, uma espécie de ukulele mexicano, El Aparato é recheada de ecletismo sonoro, world music puramente mexicana onde contam uma história paranormal cujo personagem chamado Pablo se fascina com discos voadores, até que tudo muda do nada; a faixa seguinte já nos dá um hit direto, La Ingrata faz uma homenagem à sonoridade norteña e brinca com esse estilo unindo a polka, o ska e o country onde até Emmanuel canta alguns versos, e por lembrar o Norte mexicano, aborda a questão do machismo e um amante rejeitado onde ameaça matar a moça, ou seja, violência feminina - apesar de soar inocente e divertida na época, a banda deixou de executar os versos e adaptar para os tempos atuais e/ou deixaram de tocar para não gerar mais polêmica ainda (imagina só!); na sequência, o disco conta com a canção El Ciclón, que busca ambientar no conceito geral do disco que é o ciclo da vida, a exemplificar as plantas que se tomam CO2 através de fotossíntese convertendo em oxigênio, para ser bem específico - a levada de funk traz aqui a presença do órgão Clavinet e um baixo com um ar bem mais moderno fusionando com elementos de hip-hop e regionais até as mais nativas, com uma guitarra heavy metal: com os tacvbos, tudo é possível, até uma orquestra aparecer perfeitamente, lembrando um pouco dream pop e psicodelia revivida nos 90 precisamente; com essa série de canções aparecendo aos poucos no álbum, o quarteto ainda nos oferece El Borrego, brincando com os protótipos de identidade e com a ambiguidade ideológica, fazendo também uma menção honrosa às bandas La Lupita e Maldita Vecindad numa ousada e surpreendente fusão de punk, metal e industrial nos fazendo remeter à Ministry com Meme ousando até na hora de cantar nessa ousada mistura que lembra até uma demo gravada com qualidade bem crítica (mas muito bem feita); os romantismos poéticos ainda resistem aqui: para não perder a tradição das músicas dor-de-cotovelo cabe até aqui no bolerão-sofrência Esa Noche acaba dando esse clima de um término de romance, mas sendo uma ode à solidão como nosso mais cercano amor depois de um desamor, a pegada bem bolero misturada com bachata e fazendo homenagem à uma das divas da canção mexicana, Chavela Vargas (1919-2012), reverenciada notoriamente pelo estilo; com um clímax mais soturno e denso, o que ajuda nesta música que vêm a seguir intitulada 24 Horas, uma bossinha mais mesclada com elementos do México evocando em uma história de amor cheia de distrações, mas cruzando com a agitação da vida moderna do eu-lírico que se arrisca a estar disposto 24 horas sabendo dos problemas de saúde que hão de comprometer obviamente - e busca também nos lembrar do conceito do álbum e falar sobre a vida ser um ciclo; em seguida, a faixa seguinte compromete a ser mais ácida e com uma pegada fiel à proposta da sonoridade da banda, e Ixtepec carregada de puro realismo mágico inspirado na novela Los Recuerdos del Porvenir escrito por Elena Garro, essa mistura da sonoridade norteña com um quê de eletrônico e rock já dá pra entender como as cabeças dos tacvbos funcionam ao compor; mais adiante, o conjunto põe em ação uma veia mais politizada nas letras, contextualizado o que o país vivia em pleno 1994, Trópico de Cáncer é uma daquelas pérolas marcantes - ligado à questões sociais da época, é um alerta sobre as consequências que a modernização e o progresso trazem se não forem controlados, e busca visar também os indígenas que ainda povoam o país, com uma levada de industrial mesclada com um temperinho brasileiro de bossa nova com um violão que lembre um pouco João Gilberto para não exagerarmos; dá para notar sim que o Café Tacvba ultrapassa os limites da tradição e decide saber fazer com maestria a prova de que têm orgulho de levarem a música de sua terra, em El Metro já abre mostrando um groove bem manjado com destaque para a sequência harmônica dos teclados onde eles falam sobre a Cidade do México como rotina dentro de quem vive pelos metrôs (trens urbanos), numa visão cronista de Rubén, que sabe transpor isso muito bem no cancioneiro do grupo; e de cara, ainda temos de melhor a ser oferecido no repertório, movido ao que o quarteto de Ciudad Satélite coloca em prática nas canções, como no caso de El Fin de la Infancia, é de nos surpreender em que eles colocam a questão do nacionalismo, e do malinchismo que fazem favorecer o que é de primeiro mundo e rejeitar o que é de dentro do país, e fala também sobre a dança ser mais que um ato recreativo e incentiva um jeito de autodeterminar e de busca de uma própria vanguarda cultural, dá a entender que a sonoridade ska-punk soa mais flertada com as bandas sinaloenses que dão o tom aqui nos metais, lembrando muito os corridos mais rápidos inclusive.
A próxima música que vêm a seguir no CD já é mais puxado para algo de latino em todo, como no caso de um bolero, a suave Madrugal é poesia pura nos ouvidos, se não fossem as críticas em respeito à decadência urbana da Cidade do México, especificamente do Centro Cultural, da expansão dos prédios modernos, uma cidade recheada de edifícios históricos entre o avanço da cidade na questão de evolução inspirado no humor literário de Jorge Ibagüengotia (1928-1983) célebre escritor, a canção num tom bem de bolero e o coro, lembra até os arranjos dos anos 50 de cara na canção que só tem apenas 1 minuto e 10 segundos de duração, mas que podia durar bem um pouquinho mais até, aqui o peruano Ramón Stagnaro participa tocando requinto, um instrumento local; não deixando de lado a mística e a atmosfera poética-musical que acercam o disco, como de lei, é óbvio, Pez soa frio no começo, mas carrega uma levada de folk e ragtime mais a voz de Emmanuel puxado pelos "aaah" de Albarrán numa canção sobre a sensação de ser um peixe capturado, ficando sem ar, provavelmente sendo preparado pela comida - um fruto do mar; adiante, o tema seguinte é como a continuação da anterior, o enredo poético, tudo mais, com um clima suave e moderno, Verde flerta com a existência da vida após a morte, retomando o conceito do ciclo e sobre seu fim, e isso é notório até pelo clímax, misturando folk latino com industrial e psicodélico cabendo na sonoridade de menos de 2 minutos por aqui, onde no final, retomam da harmonia da faixa anterior; a seguir, a originalidade sonora dos tacvbos permanece desfilando com suas misturas e não errando feio - em La Negrita, onde fala sobre uma mulher que regressa feliz à sua terra natal depois de fazer uma peregrinação pelo mundo em busca de uma vida melhor, aqui, o enfoque na sonoridade da canção traz como influência o ritmo do samba, bem embalante, aquele tempero brasileiro para ser incluída na sonoridade mexicana que acaba por funcionar no final; com a pegada elétrica e mestiça que perdura ao longo deste maravilhoso CD, El Tlaotani del Barrio expressa ser puramente mexicana a partir do termo tlaotani, de origem nativa nauahtl usada para definir os reis das tribos nativas dos primórdios, aqui, vistos como os donos do pedaço, fala sobre a origem de quando os pais do vocalista se conheceram, a pegada roqueira tacvbeira marcada pelo violão e pela sequência rítmica programada que dão essa energia aparente da música; sem muitos exageros, a banda segue arrasando a cada canção apresentada no disco, ao falarmos agora sobre Las Flores, têm muito a ver com a questão poética sobre uma criança, a forma como as mulheres carregam em seus ventres por 9 meses o legado de duas pessoas na Terra e sobre presentear estrelas como flores para a mãe e o bebê, numa levada que inicia industrial e vira um ska-industrial-psicodélico, onde novamente Emmanuel ainda solta alguns solos de escaleta que soam mágicos e clássicos demais; mais adiante, o disco contêm uma pérola simples, mas que têm um devido valor - La Pinta traz uma letra toda carregada dos mexicanismos com sotaque puro, movido a uma energia que remete ao pesado e sujo som do grunge que havia invadido os 90, mas com aquela vibe de ska-punk presente em diversos temas; com um simples trecho de piano abrindo a seguinte canção, que não deixa a desejar e carrega um forte destaque - El Baile y El Salón trata realmente sobre o amor gay e do sentimento sobre se sentir confortável o suficiente para se amar de forma livre, inspirado em um ensaio chamado Fazendo Amor com a Música, escrito por D.H. Lawrence, com uma pegada bem pop demais, chama a atenção a referência à disco music e aos meados dos 1970, inclusive pelo "papapapapa eu eo", o brilhante solo de violão executado por Santaolalla, ainda uma guitarra imitando o estilo de Nile Rodgers, mais os falsetes de Rubén que dão esse tom divino; com o tempero continuando bem caliente, o que não faltam novamente são canções envolvendo temas reccorentes na música popular latino-americana, falo aqui de El Puñal y El Corazón, a coisa fica melhor quando eles decidem cantar sobre o orgulho de um homem abandonado em um tema bem universal - logo vemos que a fusão de mambo caribenho com a bossa nova vinda do Brasil já mostra a perfeição na hora de descobrirem a fórmula de diversificar referências sonoras da América com elementos contemporâneos sem perder tempo; como já sabemos, todo ciclo acaba tendo um fim, e o final deste ciclo que se chama Re fica por conta da faixa El Balcón, uma música que conta mais lá para o tempo antigo, onde ainda existia alguns territórios sob propriedade dos espanhóis entre os séculos XVI e XVII, narrando bem uma relação entre dois escravos - um índio e uma negra, e o índio sonha com uma fusão, zambo (o filho mestiço), com um toque mais enquadrado para o jazz e o swing da década de 1940, e pelo volume do som ser deliberadamente baixo, além de uma forte influência se Agustín Lara, um dos maiores nomes da composição mexicana - um belo encerramento para um belo disco. Pronto, é isso mesmo.
A crise havia eclodido logo no momento em que saía Salinas do poder e assumia o bastão para Zedillo, o último priista (político integrante do PRI) no poder ininterrupto  - a situação já estava piorando quando o grupo, no momento em que estava a promover este álbum e que quase não aconteceu muito à época do lançamento - embora dentro do México tenha sido disco de ouro com 40 mil cópias vendidas e descobrem o sucesso enorme que estavam fazendo no Chile, Colômbia, Argentina, Uruguai entre outros países. Começam a chamar a atenção não somente dos artistas mexicanos que já conheciam o CT, mas também nomes internacionais, como no caso de David Byrne (Talking Heads), e com os clipes veiculados na MTV Latinoamérica que ajudaram muito para que o grupo fosse consagrado dentro do rock em espanhol. É um disco, que, ao ouvirmos, lembra e muito para nós brasileiros, o tropicalismo surgido em 1967 que uniu a MPB em todo com música dodecafônica, rock, erudito, só que aqui é com elementos mexicanos, caribenhos e brasileiros até, uma fórmula que eles sempre souberam fazer com primor, e prosseguiram com suas estratégias até hoje - e, no embalo do sucesso de Re, o grupo só esperou dar uma trégua no sucesso do álbum para, depois de participarem do MTV Unplugged (que só seria lançado em CD e DVD em 2005), gravarem um projeto mais envolvido com covers/versões intitulado Avalancha de Éxitos, lançado em novembro de 1996. Mas aí, já é uma outra história. Não é à toa que a importância de Re para a música do México e da América Latina em todo (não só focar no pop rock) fez com que um jornalista do The New York Times comparasse ao Álbum Branco dos Beatles (sim, ele fez isso!) e ainda ganhasse méritos importantes: o site Región Cuatro elegeu em uma lista com Os 100 Maiores Discos do Rock Mexicano o digno e merecido primeiro lugar de lei, assim como também fez a Rolling Stone estadunidense que publicou uma lista com os 10 Melhores Álbuns de Rock Latino de Todos os Tempos dando também o topo do pódio em uma lista com Santana, Julieta Venegas, Babasónicos, Los Fabulosos Cadillacs e também Karnak e Os Mutantes - 2 BRASILEIROS, MEU HERMANO! Não precisando forçar mais, a banda ainda foi aclamada pela lista da bíblia do rock latino, a Al Borde, que consagrou nos 250 Melhores Álbuns do Rock Iberoamericano a medalha de ouro, ou seja, primeiro lugar em três listas é sinal de que o que acabamos de analisar não é somente um disco qualquer, senão um clássico eterno que traduz bem o Café Tacvba, ah... y VIVA MÉXICO, CABRONES! VIVA CAFÉ TACVBA!
Set do disco:
1 - El Aparato (Rubén Albarrán)
2 - La Ingrata (Emmanuel Del Real)
3 - El Ciclón (Emmanuel Del Real/Rubén Albarrán)
4 - El Borrego (Emmanuel Del Real)
5 - Esa Noche(Joselo Rangel/Quique Rangel)
6 - 24 Horas (Joselo Rangel)
7 - Ixtepec (Joselo Rangel/Emmanuel Del Real)
8 - Trópico de Cáncer (Rubén Albarrán)
9 - El Metro (Emmanuel Del Real)
10 - El Fin de la Infancia (Joselo Rangel) 
11 - Madrugal (Quique Rangel)
12 - Pez (Joselo Rangel/Emmanuel Del Real)
13 - Verde (Rubén Albarrán)
14 - La Negrita (Joselo Rangel/Quique Rangel)
15 - El Tlaotani del Barrio (Rubén Albarrán)
16 - Las Flores(Emmanuel Del Real)
17 - La Pinta(Rubén Albarrán)
18 - El Baile y El Salón (Emmanuel Del Real/Rubén Albarrán)
19 - El Puñal y El Corazón (Rubén Albarrán)
20 - El Balcón (Rubén Albarrán)

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