Um disco indispensável: O Tempo Não Pára - Ao Vivo - Cazuza (Philips/PolyGram, 1989)

O ano de 1988 parecia ter sido bom na carreira artística de Cazuza, que estava continuando sua luta contra a AIDS e não desistiu em nenhum momento de fazer da música um refúgio seguro. Em abril era lançado o LP que o consagrou ainda mais, não somente na história do rock brasileiro, mas, na MPB em especial: a magnum opus Ideologia, repleta de sucessos e um grande divisor de aguas naquele que parecia um momento difícil. O disco fez com que ele ainda partisse para uma tournée - a primeira meses depois de ter entrado em tratamento do HIV em Boston, ele parecia seguir mais disposto de estar em palco como nunca. Para este show, ele contou com a ajuda luxuosa de um amigo de longa data na direção - logo, o próprio Ney Matogrosso, que, anos antes havia dirigido o RPM na tournée Rádio Pirata que resultou-se em um disco ao vivo homônimo que vendeu mais de 2 milhões de cópias, fazendo do grupo um fenômeno nacional de vendagens. No palco, ele aparecia todo vestido de branco, com uma bandana e acompanhado de uma super banda: Ricardo Palmeira e Luciano Maurício nas guitarras, Nilo Romero no baixo, Christiaan Oyens na bateria, João Rebouças nos teclados, Widor Santiago no saxofone mais Jussara e Jurema Lourenço nos vocais. E foi com esta banda que registraram-se das 3 noites na lendária casa de espetáculos Canecão (RJ) com a produção de Nilo Romero e Ezequiel Neves, nos dias 14, 15 e 16 de outubro de 1988 - quem assistiu esses dias, deve ter sentido uma luz iluminando nosso poeta, que, como disse em uma de suas canções, viu a cara da morte e ela estava viva. Ali, juntava-se no repertório tudo o que ele criou em menos de sete anos de carreira, desde canções escritas ainda no Barão Vermelho - à epoca, ainda com Frejat à frente do grupo e lançando seu sexto álbum de estúdio intitulado Carnaval com os hits Pense e Dance e Nunca Existiu Pecado - e boa parte do repertório era totalmente do álbum Ideologia, além de duas músicas inéditas - o resultado não poderia ser outro, lançado em janeiro de 1989, o seu único registro ao vivo de sua carreira solo feito em vida levou o nome de O Tempo Não Pára, nome de uma das inéditas presentes. Na capa, a imagem de um artista que botava suas forças para manter-se forte e desafiando preconceitos.
O show, quando começamos a ouvir, sentimos a forte presença da plateia e inicia-se os primeiros acordes de Vida Louca Vida, uma composição de Bernardo Vilhena em parceria com o polêmico Lobão - este último o primeiro que gravou antes do amigo, lançou em seu clássico Vida Bandida (1987) e soa um tanto que autobiográfica para os dois, é o que podemos notar os versos "Se ninguém olha quando você passa, você logo acha: eu tô carente, eu sou manchete popular! Já me cansei de tanta babaquice, tanta caretice dessa eterna falta do que falar" porque isso devia-se aos boatos sobre a saúde de Cazuza e o envolvimento de Lobão com drogas, uma vez que esteve meses preso em 1987 - e o arranjo é bem um rockão de peso com um belo destaque instrumental para a bateria e o sax mais a guitarra, e o final da canção soa como apoteótico; logo em seguida, é a deixa para a próxima música com uma energia sonora sem igual, Boas Novas contribui com as canções do LP Ideologia presentes neste repertório, e ele deixou bem claro que viu a cara da morte e ela estava viva - como uma metáfora do período de tratamento em Boston, possivelmente; logo de cara, temos mais uma música que não faz feio também e mostra-se uma visão dos jovens que sonhavam em revolução, que queria mudar e ficavam assistindo a tudo em cima do muro - por se entender que é Ideologia, da autoria de Caju com o guitarrista Frejat, a parceria entre ambos seguia afinada e rendeu este clássico, que mantêm o mesmo arranjo da versão lançada no disco homônimo, e sendo um destaque também com a versão ao vivo; ainda sobra tempo para cantar algumas coisas da época do Barão, como no caso de Todo o Amor Que Houver Nessa Vida, com um toque de blues tendo o acompanhamento instrumental de piano e harmônica, ajudando assim que fique com um arranjo diferenciado; seguindo essa parte só o piano abrilhantando a canção, temos a belíssima Codinome Beija-Flor presente no álbum do show e com um arranjo totalmente fiel à versão que está no seu disco de estreia Exagerado (1985), com um belo momento para o saxofone que desfila solos maravilhosos aqui; a ovação da plateia na música seguinte aparenta que vem pedrada: com uma introdução parecida a de Tom Sawyer do Rush, com muita virada de bateria, e uma letra soando autobiográfica que mostrava a sua indignação - logo a inédita O Tempo Não Pára, escrita no auge da sua carreira e em parceria com Arnaldo Brandão, ajudou o cantor a não ficar de cabeça baixa em meio ao que se falava da sua pessoa, fortalecendo-o em palco ao ouvirmos a música; não perdendo o ritmo, ele ainda canta algo sobre sua relação com a mãe Lucinha Araújo em Só as Mães São Felizes, influenciado pela poesia beatnik de Jack Kerouac citando nomes como Luiz Melodia, Allen Ginsberg, Rimbaud e Lou Reed - um pouco da formação intelectual do poeta; na sequência, o fato de que Caju segue a desfilar a sua beleza poética através de O Nosso Amor A Gente Inventa (Estória Romântica) e acerta em cheio no repertório até agora, e não mostra um cantor frágil ou pra baixo; ainda desfilando grandes sucessos (bem que poderia ser um outro nome do disco), como um mágico que tira um coelho da cartola, ele apresenta neste álbum uma versão mais roqueira e empolgante da canção Exagerado, do seu primeiro hit como solo lançado meses após deixar o Barão em 1985, e aqui o peso mantêm fiel à versão de 1985 pelo jeito; para encerrar este disco, o cantor ainda pergunta o que o público quer ouvir, a resposta? Faz Parte do Meu Show, feita em parceria com Renato Ladeira (1952-2015), e já gravada antes pelo antigo grupo de Ladeira, o Herva Doce, lançado em um compacto no ano de 1986, e preservando o bucolismo que remete à bossa nova presente no arranjo, um violão mágico e a presença do sintetizador fazendo as cordas - terminando da melhor forma.
Cazuza sabia que o palco era onde ele mais queria estar, mas, a sua saúde ia se agravando e a situação vindo a piorar mais adiante, ele decidiu encerrar sua rotina de shows no dia 24 de janeiro de 1989 em Recife, durante o encerramento do Festival de Verão da cidade no palco do Teatro Guararapes onde houve confusão e o fato deve-se aos efeitos do medicamento AZT, fato. Meses depois o pior ainda viria: uma reportagem sensacionalista da Veja que parecia estar desmoralizando a imagem do artista, e que teve o troco durante o Prêmio Sharp de 1989 onde Marília Pêra leu uma carta aberta em defesa de Cazuza, que, àquela altura estava juntando material para seu último disco, o duplo Burguesia, editado em agosto e aí sim o seu canto de cisne. Este é um daqueles registros ao vivo que merecem ser ouvidos com bastante atenção desde os arranjos até na forma como o poeta exagerado buscava forças para não parar e seguir em frente - porque O Tempo Não Pára, e só. 
Set do disco:
1 - Vida Louca Vida(Bernardo Vilhena/Lobão)
2 - Boas Novas (Cazuza)
3 - Ideologia (Cazuza/Frejat)
4 - Todo o Amor Que Houver Nessa Vida (Cazuza/Frejat)
5 - Codinome Beija-Flor (Cazuza/Ezequiel Neves/Reinaldo Arias)
6 - O Tempo Não Pára (Cazuza/Arnaldo Brandão)
7 - Só as Mães São Felizes (Cazuza/Frejat)
8 -  O Nosso Amor A Gente Inventa (Estória Romântica) (Cazuza/João Rebouças/Rogério Meanda)
9 - Exagerado (Cazuza/Ezequiel Neves/Leoni)
10 - Faz Parte do Meu Show (Cazuza/Renato Ladeira)

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