Um disco indispensável: Chet Baker Sings - Chet Baker (Pacific Jazz Records, 1954)

No início dos anos 50 e na primeira metade do século XX, era comum que astros da música fossem músicos talentosos e regentes de orquestras como Benny Goodman, Glenn Miller e Count Basie movimentavam os salões de dança e as noites luxuosas dos EUA, as vozes femininas de Ella Fitzgerald, Billie Holiday, Julie London, Peggy Lee, Anita O' Day, Dinah Washington tornavam-se os cantos da sereia naqueles tempos, encantando milhões de pessoas. Os homens não estavam com time fraco, tendo o também trompetista Louis "Satchmo" Armstrong que se tornara um nome mundial com seus vários sucessos, Nat King Cole - que tocava piano, mas tinha um vozeirão apaixonante, Bing Crosby, Mel Tormé, Bobby Darin e aquele que se tornaria uma das maiores vozes do século XX: o grande Frank Sinatra, que havia decidido a parar com a música e se dedicado à carreira de ator nos cinemas, voltando em 1954 com o disco Songs for Young Lovers, que o colocaria de volta ao topo definitivamente. O jazz era algo tão pop para aqueles anos, que até músicos eram bem valorizados por seus trabalhos e que se tornaram sinônimos de virtuosidades na arte de tocar seus instrumentos: Thelonious Monk, Billy Cobham, Julian "Cannonball" Adderley, Stan Getz, Dave Brubeck, Paul Desmond, Bill Evans, Paul Desmond e os trompetistas Miles Davis e Chet Baker, este, que além de tocar trompete, tinha uma das vozes mais perfeitas do mundo. Diferente de outros cantores que tinham uma forte potência para soltar o gogó, Chet foi o exemplo de perfeccionismo e de suavidade para dar voz a belas canções, inspirando muito nomes como, por exemplo, o grande João Gilberto, que declarou no livro Chega de Saudade para o biógrafo Ruy Castro que o próprio Baker foi influência total para a voz e o estilo de cantar baixinho, coisa que também seria referência onipresente para outros artistas ao redor do mundo que também viram nele esse estilo. Nascido na cidade de Yale, no Oklahoma em 23 de dezembro de 1923, Chesney Henry Baker Jr. foi criado em uma quinta até os seus dez anos e no final dos anos 1930 partiu para Los Angeles onde foi estudar teoria musical, a paixão pelo jazz veio de seu pai, exímio guitarrista e de quem herdou muito talento, e com isso, um belo futuro na música que começou como músico acompanhante da banda de Vido Musso, depois viria a tocar com Stan Getz. O músico só conheceria realmente o sucesso no começo de 1952, quando o grande Charlie Parker (1920-1955) o convidara para fazer parte de sua banda em uma série de shows na Costa Oeste americana. No ano de 1952 entra para a banda de Gerry Mulligan aonde gravaram juntos a primeira versão do tema My Funny Valentine e devido ao problema de drogas, o grupo teve curta duração e Chet acabou partindo para carreira solo, com um estilo sofisticado, considerado cool, fazendo improvisos. Mas também trazia uma voz que soava como uma espécie de canto da sereia jazzístico e com a imagem de rebelde sem causa que se tornou marca registrada de sua carreira.
Em 15 de fevereiro de 1954, o músico entrava em estúdio na Capitol Records, bem acompanhado, para gravar um de seus álbuns mais influentes, o seu verdadeiro legado na história da música: com a produção de Richard Bock, o álbum Chet Baker Sings, lançado entre abril e maio tornou-se uma verdadeira aula de como cantar com o máximo de suavidade. Inspirando desde nomes do jazz vocal, passando pela bossa nova, Chet conseguiu unir sua voz e seu trompete em um conjunto de 8 canções que tornariam valiosas que nem ouro na sua interpretação. O disco abre com But Not For Me, considerado um dos clássicos dos standards, que já nos faz se sentir em uma cena de filme noir dos anos 1930/40/50 num ambiente de Paris fumando um cigarro em frente à Torre Eiffel apreciando o fim de mais um dia, e sua voz soa plena e apaixonante como nunca, como Chet só Chet mesmo; já na sequência, temos Time After Time com seu piano abrilhantando o fundo instrumental e que ganha um forte destaque e a atenção de quem ouve este disco; em seguida, o trompetista segue a desfilar belas canções em sua voz e I Get Along Without You Very Well (Except Sometimes) de Hoagy Carmichael mantêm a essência pura da canção, essa doçura de sempre; já uma das grandes faixas de destaque desse disco aparece - o clássico de Rodgers & Hart, My Funny Valentine, que já ganhou várias versões e esta se tornou uma das maiores já feitas, o primor e a simplicidade ganham nossos ouvidos de cara; uma das canções que apresenta beleza poética é There Will Be Another You, a história do homem que segue a dizer que haverá outros lábios a beijar e outros dias mas não haverá nenhuma como aquela pessoa amada - a interpretação dele cumpre o dever de transbordar harmonias calmas que nos fazem estar em paz; para complementar o repertório, temos também The Thrill is Gone, que diferente da versão de Roy Hawkins e Rick Darnell imortalizada pelo saudoso B.B. King - aqui é a versão de Lex Brown e de Ray Henderson, que trouxe um arranjo espetacular; e aqui também há espaço para o hino dos que se apaixonam iludidamente, intitulado I Fall in Love Too Easily, aonde nos versos seguintes "For love to ever last/My heart should be well-schooled/'Cause I been fooled in the past" (Para amar pela eternidade/Meu coração seria bem educado/Porque fui enganado no passado" demonstra realmente o quanto dói apaixonar e se lembrar dos enganos em outros tempos, é a música que mais se destaca entre o restante pela sua levada e conjunto melódico - profundo e sofrível ao mesmo tempo (Jazz também carrega essa coisa de sofrência desde muito tempo atrás), e também uma de suas melhores interpretações ao longo de sua carreira; e fechando o disco, temos Look for the Silver Lining, um tema que o trompetista dá voz sobre um coração cheio de júbilos e alegrias sempre expulsando conflitos e tristezas, no final ele ainda pede que veja as coisas pelo lado positivo com uma sensação de que tudo há de melhorar em breve.
Na segunda reedição do disco, feita em 1956 foram acrescentadas mais seis faixas gravadas nos dias 23 a 30 de julho no Forum Theatre em Los Angeles, dois anos depois do lançamento original, trouxera mais seis faixas que complementariam uma edição mais popular e consagrada por vários fãs, deixando as oito faixas da edição original no lado B do álbum. Começando esta versão no lado A com o tema That Old Feeling, aqui nada muda, segue todo esse lirismo sentimental e o tom melódico de sempre, mas que dá totalmente pro gasto; depois segue o baile com It's Always You, que traz um piano bem recheado de conjuntos melódicos e a voz aveludada do músico, e que fora gravada já por Frank Sinatra e atualmente pela dupla She & Him, é de uma bela natureza poético-musical as melodias desta; e dos mesmos autores da faixa anterior, outra pérola, Like Someone in Love - de Jimmy Van Heusen e Johnny Burke, mostram a história de alguém que sai a se esbarrar em coisas como alguém completamente apaixonado, de forma delirante, sem decepcionar a gente aqui; para a continuação deste disco, ainda temos também My Ideal, que é outra música de grande destaque, flui serena e doce, a voz de Chet põe aqui uma atmosfera que combina com a letra da canção sem dúvidas; e o tema relevante I've Never Been in Love Before transborda um som maravilhoso, e a letra mostra essa história de um alguém que nunca havia se apaixonado tanto antes, a atmosfera poética é coisa mais linda que se pode ouvir; e fechando o lado A dessa edição, temos uma canção que trata a ausência de sua parceira em My Buddy, profundo e melancólico, apresenta aqui a ausência dessa pessoa e sentindo a falta da voz e do toque da mão desta, e com um instrumental maravilhoso, fechando assim com chave de ouro. À época de seu lançamento, uma crítica feita pela revista Billboard a respeito do disco foi feita, e se falou que sua habilidade vocal não chegava nem perto do som que fazia com o trompete, mas quem somos nós para discordar? Este disco conseguiu ser um exemplo de trabalho que segue a atravessar gerações, trazendo esse estilo de suavidade vocal para todos os tipos de cantores, inclusive os de chuveiro que carregam esse estilo Chet Baker de cantar que não é desafinado, mas simples e fácil de aprender.
SET DO DISCO (FAIXAS GRAVADAS EM 1956 + ORIGINAL DO ÁLBUM DE 1954):
1 - That Old Feeling (Lew Brown/Sammy Cahn)
2 - It's Always You (Jimmy Van Heusen/Johnny Burke)
3 - Like Someone in Love (Jimmy Van Heusen/Johnny Burke)
4 - My Ideal (Newell Chase/Leo Robin/Richard A. Whiting)
5 - I've Never Been in Love Before (Frank Loesser)
6 - My Buddy (Walter Donaldson/Gus Kahn)
7 - But Not For Me (George Gershwin/Ira Gershwin)
8 - Time After Time (Jule Styne/Sammy Cahn)
9 - I Get Along Without You Very Well (Except Sometimes) (Hoagy Carmichael)
10 - My Funny Valentine (Richard Rodgers/Lorenz Hart)
11 - There Will Be Another You (Harry Warren/Mack Gordon)
12 - The Thrill is Gone (Lew Brown/Ray Henderson)
13 - I Fall in Love Too Easily (Jule Styne/Sammy Cahn)
14 - Look for the Silver Lining (Jerome Kern/Buddy DeSylva)

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