Um disco indispensável: The Velvet Underground & Nico - The Velvet Underground (Verve Records, 1967)

Dizem que 1967 foi o ano de uma grande revolução sonora, e o bom que tudo isto é verdade, mas revolucionário também na cena política, social, econômica e cultural em si, o máximo que aquela revolução pôde chegar foi no desabrochar da era psicodélica e na expansão do conceito de sexo, drogas e rock and roll partindo para a realidade. Na época, alguns países latino-americanos viviam regimes políticos, partidos de esquerda ficaram como clandestinos, mas mesmo assim, apelavam para os conceitos de guerrilha e manifestos atrvés de movimentos políticos, cujos representantes acabaram sendo ou presos e depois exilados ou mortos de forma suspeira, deixando lacunas incompletas para algumas famílias até hoje. No decorrer daquele ano, discos como o álbum de estreia do The Doors, o alucinante Forever Changes da banda Love, a única viagem psicodélica e malsucedida dos Stones em Their Satanics Majest Request, segundo Keith Richards em várias entrevistas (lançado meses após o grandioso Between The Buttons, um dos grandes responsáveis pela mudança de rumo sonoro do grupo), a piração de Jimi Hendrix e sua Experience na estreia de Are You Experienced?, tornando-se um best seller e um workshop de guitarra e de blues elétrico, e que se destacara queimando sua guitarra no palco do Monterrey Pop, aonde o The Who também mostrou sua arte de quebrar tudo no palco, desde os instrumentos até os amplificadores, fazendo disto um ato digno de um Glauber Rocha ficar orgulhoso sobre o seu próprio conceito de arte. E no dia 1º de junho era lançado o álbum que marcou o capítulo da revolução sonora, o clássico Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band, de uma banda que vocês sabem qual estou falando e nem precisamos ter muito a dizer. Mas um disco que se destacou muito desse 1967 foi de uma banda que não tinha quase nada a ver com psicodelia, seu som era mais conceituado para o art rock e tinham como referência a vanguarda neoiorquina, estamos falando da banda The Velvet Underground, que faria muito em pouco tempo. Surgida em 1964, o grupo trouxe uma imagem diferente das bandas populares, tornando-se pioneiros no rock alternativo que teria mais visibilidade no decorrer dos anos 70 e 80, o grupo mostrou-se andar no caminho oposto do que o restante do pessoal, e isso tendo como os principais cabeças da banda o vocalista e guitarrista Lou Reed, o violinista, baixista e pianista John Cale, o baixista Sterling Morrison e o baterista Angus MacAlise, que depois seria substituída por Maureen "Mo" Tucker, e com essa formação surgia um dos mais emblemáticos e influentes conjuntos da década.
Nico, Andy Warhol, Maureen "Mo" Tucker, Lou Reed,
Sterling Morrison e John Cale em 1967 promovendo o famoso
"disco da banana" do Velvet Underground, que saiu anônimo das
prateleiras de lojas de disco para entrar na história.
No meio disto tudo, alguns shows e críticas pelos poucos que davam valor ao trabalho do grupo na época renderam grande repercussão entre o pessoal da vanguarda artística nos EUA, em especial do artista plástico Andy Warhol, que convidou o grupo para várias apresentações em seu atelier, a Factory, aonde havia incursões de cinema e música. Andy despertou um grande interesse no grupo, e foi por meio deste que trouxe uma moça que vivia na Factory participando das incursões artísticas, uma alemã que já fez inclusive papeis em filmes como La Dolce Vita (1959) e Strip-Tease (1963), a moça era uma loira chamada Christa Päffgen, conhecida como Nico e que por meio do artista plástico, entrou para o grupo como vocalista e marcando seu território na história da música. Em abril de 1966 o grupo entrava em estúdio num período de 4 dias para realizar suas primeiras gravações para o que seria basicamente o primeiro álbum, em um estúdio decrépito de Manhattan, o Spectre e tudo financiado por Norman Dolph, executivo de vendas da Columbia Records e que também atuou como engenheiro de gravação ao lado de John Licata nessas sessões. O custo de orçamento para gravar o material até hoje é desconhecido, mas as expectativas são de que o custo foi de US$1500 a US$3000, uma coisinha simples para um grande disco como esse. Dolph mandou um disco de acetato para a Columbia tentando obter algum resultado, mas não aceitaram o material, assim como a Elektra Records e a Atlantic, esta por ver a notória presença de drogas citadas nas letras enquanto a primeira recusou por não gostar da viola de Cale, e acabou agradando Tom Wilson, que havia sido contratado para trabalhar na Columbia Records, e conseguiu um contrato da banda com a Verve Records, selo de jazz e outros gêneros, da MGM Records, mas teriam que regravar 3 faixas em outubro daquele ano no T.T.G. Studios, e acrescentar uma faixa a mais para o álbum gravando no mês seguinte em um outro estúdio de Manhattan, o Mayfair. De pronto, o disco estava feito, com a presença de Andy Warhol nas sessões, que acabou sendo creditado como produtor, embora Cale declarou que não fez nada na produção a não ser acompanhar o disco, o próprio Wilson merecia mais os créditos por produzir o trabalho. Lançado no dia 12 de março de 1967, o álbum trazia além de um fundo branco na capa, o desenho de uma banana, ainda que fosse uma espécie de adesivo que, se notarem melhor, havia uma pequena descrição escrita "peel slowly and see", que queria dizer descasque totalmente e veja, era uma banana descascada toda rosa, que simulava um órgão genital masculino - bizarro não? Coisas de Warhol, que além de interferir na produção, conseguiu trazer para a arte do disco algo tão surpreendente quanto as capas mais comuns de disco que se imagina. E por falar nisso, o disco ganhou uma repercussão fraca quando foi lançado, ninguém deu tanto a mínima e obteve pouca vendagem, mas influenciaria a música e os artistas que compraram este álbum e beberam nessa fonte e difundindo gêneros como o punk, o hard rock, o heavy metal, o grunge, o gótico, o shoegaze e outras formas de música alternativa, também dando a eles o status de avôs ou pais do indie, como vocês queiram. Lou trouxe suas influências poéticas de William S. Burruoughs e de Edgard Allan Poe para as suas letras - além de já ter feito letras para artistas da Pickwick Records anos antes, enquanto Cale já havia garantido para o grupo uma experiência dos seus trabalhos com o músico minimalista LaMonte Young, o que já garantia uma boa fórmula para agradar fãs neste disco.
O disco abre com um pianinho melódico, e que se tornaria um grande clássico do grupo, a belíssima Sunday Morning, que apresenta Lou cantando versos de uma aura poética inigualável, e o solo de guitarra que já nos deixa a desejar, chega a soar como uma narratva sobre uma ressaca de uma viagem de ácido num amanhecer de domingo, com uma pegada que lembra os arranjos de Phil Spector, com menos instrumentos mas de melodias recheadíssimas, isso é o que importa, com os vocais da lourinha alemã para dar aquele toque básico; a barulheira só vai ganhando forças em I'm Waiting For The Man, aonde Reed narra uma história de um homem desesperado para obter heroína numa bagatela de 26 dólares e a melodia rítimica não decepciona os fãs fieis do rock e da banda; na faixa seguinte, temos o grande momento de Nico como solista, numa canção chamada Femme Fatale, feita por Reed para uma das integrantes da turma da Factory, Edie Siedgwick, a pedido de Warhol, ganha um imenso destaque pois soa como uma balada mais comercial, sem seguir as cartilhas desejadas pelos produtores e rádios, tudo da forma que eles queriam mostrar o som; mais em diante, entoado pelo poeta e cabeça do grupo, um blues porraloca de melodias completamente ácidas, intitulado Venus in Furs, que também soa como um folk totalmente viajandão responsável por anteceder o shoegaze e o noise, e com uma adaptação poética de Reed para um romance homônimo de Leopold Sacher-Massoch, logo uma boa jogada de mestre do futuro autor de Walk on the Wild Side, anos mais adiante; e se o disco tem tudo a ver com as origens do punk, é porque basicamente se encontra uma certa agressividade nas guitarras da faixa Run Run Run, uma música que fala basicamente sobre o universo paralelo da cidade, com junkies, garotas de programas e outros tipos que você puder imaginar, a faixa, instrumentalmente, soa como um rockabilly lisérgico sem perder toda a essência; o disco mantêm a pegada com All Tomorrow's Parties, uma espécie de crítica ao protótipo da sociedade e suas luxúrias, tendo o sotaque americanizado de Christa Päffgen abrilhantando esse tema, numa sátira hilária sobre a elite decadente com tons pesados e cheios de energia; e em seguida, direto para o lado B do disco que abre-se com uma pérola que se tornaria o ponto alto do disco: uma ode à droga que leva o nome da canção, Heroin, e na qual Reed tenta explicar sobre os efeitos dela nos sete minutos que esta canção tem, e esta acaba sendo a maior viagem sonora que este disco pode lhes oferecer, com sua sonoridade meio calma, de ares completamente psicodélicos, e se você for ouvir o disco inteiro, saiba que aqui é o ponto alto de tudo isso que Reed, Cale, Tucker e Morrison (mais Nico) puderam nos oferecer em termos de música, e se isso não for comprovado pelos ouvidos do leitor, eu não sei mais como descrever; a quantia de lirismo poético, de temas muito usado em canções de vanguarda mostram onde a banda pode ir além, e em There She Goes Again, a história de um sujeito abandonado sempre pela mesma mulher soa como um lamento de Reed por esse abandono, com uma batida bem heavy que soa proto-punk pelo que se nota completamente; e a música a seguir foi uma encomenda para a alemã dar voz neste disco, e dedicada a ela pelo jeito, soando como uma declaração de amor - I'll Be Your Mirror, basicamente é uma das mais curtas do disco, tem cara de soar sensual as melodias, parecendo a nos seduzir pelos ouvidos logo de cara; na faixa seguinte, podemos ver que a viola elétrica de Cale consegue produzir ruídos crus, mas que dão uma sensação e que abrem The Black Angel's Death Song, que, como diria o guru tropicalista Caetano Veloso "emite acordes dissonantes", que parecem nos distrair um pouco e não passam batido de vez pela gente sem dúvida nenhuma; o encerramento fica por conta de um blues acelerado com muita lisergia sonora, intitulado European Son, cheia de ruídos e dona de um solo de guitarra longuíssimo que acaba nos massacrando de vez, e assim encerrando o clássico obscuro que ganharia status de cult com o decorrer dos tempos, recebendo assim o máximo respeito da crítica e do público e formando bandas após a audição do disco.
O disco obteve poucas vendas, nenhuma repercussão grande e ficando meio que perdido pelas lojas de disco do mundo todo, tornando-se uma raridade a primeira prensagem com a banana em forma de adesivo para descascar que simulava uma genitália masculina, algo ousado numa capa de disco: também, sendo coisa de Andy Warhol, esperava mais o quê de um disco como esse? Após o disco, a banda se desvinculara do artista plástico e da modelo-atriz-cantora, que lançara pela mesma Verve Records o álbum solo Chelsea Girl, que também obtivera pouca repercussão. A banda ainda gravaria outro disco pela casa, sem Warhol na produção, agora com o mesmo Tom Wilson que produzira Sunday Morning, do álbum anterior. Nico seguiu gravando alguns discos, fazendo breves atuações e acabou morrendo de uma hemorragia cerebral em Ibiza em 18 de julho 1988, um ano e quase cinco meses após Warhol falecer e ter deixado um grande legado na cultura pop e na arte e também ganho o mundo com sua obra. Sete anos após a morte da louraça que cantou no disco, Sterling Morrison nos deixaria e em outubro de 2013 foi Lou Reed que foi deixando um breve vazio na música, mas deixou também clássicos que lançou após sair do Velvet em 1970 - uma vez que já tenham feito o álbum Loaded sem Cale, desta vez com Doug Yule para preencher, e o mesmo Yule faria o canto do cisne da banda, intitulado Squeeze três anos depois, sabendo que a banda já não existia mais depois disto. Teria dito um certo Brian Eno a respeito do disco que, cada um que fez parte desse pouco que comprou o disco teria montado uma banda, e parece que esse mesmo Eno não estava enganado: o álbum influenciou bandas e artistas de várias vertentes, desde Stooges, passando por Bowie, Joy Division, Sonic Youth, Nirvana, Radiohead, Nine Inch Nails, Beck, Strokes e, possivelmente, o pessoal do Tropicalismo aqui e a onda dos violétricos, os nordestinos que faziam psicodelia com os pés na sonoridade da sua região. O disco obteve um papel inovador na história da música, isto todo mundo sabe, e também conquistou as listas do mundo como, por exemplo a dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos pela revista norte-americana Rolling Stone ocupando o 13º lugar, e sempre que for buscar alguma lista dos maiores discos dos anos 60, saiba que The Velvet Underground & Nico vai estar lá (ACHOU QUE EU ESTAVA BRINCANDO???) e em 2005 a nossa querida revista BIZZ (ressurgindo das cinzas após fechar em 2001 deixando leitores meio órfãos) elegeu as 100 Maiores Capas de Álbuns de Todos os Tempos, dando o 1º lugar (coincidência, não?) para a icônica capa da banana. Provas de que o disco pode estar no obscuro, mas ganha uma legião de fãs ao redor do mundo que vocês nem imaginam, e influenciando bandas com um som sujo e ácido, com letras ousadas e fazendo um barulho de primeira que segue a atravessar gerações 50 anos depois de aparecer no mundo.
Set do disco:
1 - Sunday Morning (Lou Reed/John Cale)
2 - I'm Waiting For The Man (Lou Reed)
3 - Femme Fatale (Lou Reed)
4 - Venus in Furs (Lou Reed)
5 - Run Run Run (Lou Reed)
6 - All Tomorrow's Parties (Lou Reed)
7 - Heroin (Lou Reed)
8 - There She Goes Again (Lou Reed)
9 - I'll Be Your Mirror (Lou Reed)
10 - The Black Angel's Death Song (Lou Reed/John Cale)
11 - European Son (Lou Reed/John Cale/Sterling Morrison/Maureen "Mo" Tucker)

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