Um disco indispensável: A História do Nordeste na Voz de Luiz Gonzaga (RCA Victor, 1954)

Entenda-se que muito antes de ganhar o status de cult e de rei, o menino Luiz Gonzaga do Nascimento nascido em 13 de dezembro de 1912 na cidade pernambucana de Exu,situado na Serra do Araripe e que também fica pertinho do Ceará, já tinha vocação pra puxar o fole. Se você não conhece direito a história do pernambucano do século, do verdadeiro rei da música popular brasileira, do poeta do sertão, do mito e rei do acordeom brasileiro que deixou discípulos em todos os 4 cantos do Brasil, desde o outro lendário Dominguinhos, pernambucano de Garanhuns passando por Pinocchio, Mário Zan, Orlando Silveira, Chiquinho de Moraes e inclusive no Sul, gente como os irmãos Honeyde & Adelar Bertussi, Renato Borghetti, Edson Dutra, Gildinho e Luiz Carlos Borges entre outros tantos sanfoneiros por aí, saiba que há muito a conhecer sobre ele. Se sentindo obrigado a fazer algo que não fosse resumido apenas a tocar nos bailes do sertão afora, foi para o Ceará onde servira o Exército e lá se foi o filho de seu Januário e dona Santana botar a farda mas nunca deixou a música sair dele, muito pelo contrário, foi cornetista e tocou na banda militar o instrumento que consagrou-o mundialmente. Seguiu um conselho dado pelo seu pai: que ele não encostasse em nenhuma arma e não matasse ninguém, e conselho de Januário não é pra ignorar e foi assim até mais de oito anos até ele dar baixa e partir para o Rio de Janeiro, então capital federal em busca de uma forma de sobreviver por lá: e foi tocando em vários locais da Cidade Maravilhosa puxando tangos, chorinhos, sambas e outros gêneros e logo veio a figurar em programas como o de Ary Barroso - sim, ele mesmo, autor de Aquarela do Brasil e No Rancho Fundo - e que acabou se simpatizando muito com o estilo de tocar sanfona daquele cabra macho, até que veio o contrato com a gravadora RCA Victor, por onde gravou todo o conjunto de sua obra, de 1941 até 1988, apenas com uma pausa em 1973 e 1974 aonde gravou materiais pela EMI-Odeon e depois deixara uma série de álbuns lançados após a sua morte em 2 de agosto 1989, considerado o dia em que as sanfonas perderam seu rei e a música brasileira começava a perder suas lendas grandiosas aos poucos, mas aí já é outra história.
Ao lado de Dominguinhos na década de 1980: aprendiz e sábio do fole
juntos no mesmo palco espalhando o melhor da música nordestina.
(Reprodução/TV Globo)
Mas, revendo toda a sua história aqui, vemos que, definitivamente, o Mestre Lua foi responsável em levar a música nordestina pro resto do Brasil além de dar um pouco mais de visibilidade para o acordeon como um dos instrumentos supervalorizados e tocados aqui no Brasil, e com mais de 70 compactos de 78 rotações gravados entre 1941 e 1954, o músico tivera seu primeiro long-play lançado em 1954 na gravadora, intitulado A História do Nordeste Na Voz de Luiz Gonzaga traz um conjunto de músicas registradas nesta época, de 1947 a 1953 responsáveis por trazer o verdadeiro retrato do sertão que aprendera nos oito baixos de seu Januário para apenas oito faixas, nada mal aqui. As secas, as desilusões e as esperanças de ver uma chuva forte acabarem fazendo com que esses relatos se tornem poemas e com a voz potente e de trovão do grande mestre Gonzaga, temos aqui uma incrível viagem por esse universo pouco visto pelos compositores, que eram mais acostumados a falarem de amor e dores-de-cotovelo até meados dos anos 1940. A começar pela faixa que abre o disco, intitulada Paraíba, o puxar do fole já vai nos levando para os arraiais daquele sertão e falando de sua saída após a lama virar seca e o rio Mandacaru ter ficado escasso após esta, e na hora em que fecha a música ele larga um "sai pra lá peste" típico do linguajado e fica por isto; em diante, temos uma homenagem digna a seu pai, que têm o nome Respeita Januário, aonde o Rei do Baião conta sobre sua relação com a música e o legado que seu pai deixou para ele, lógico, sendo um tema de grande destaque do álbum e fala sobre seu retorno a Exu em 1946 pra matar as saudades da família; pra complementar, ainda temos Saudades de Pernambuco, composta por Sebastião Rosendo e Salvador Miceli mostrando as saudades do seu estado e antecipa o que Gilberto Gil faria anos depois em Aquele Abraço,  reverenciando lugares e pessoas, uma boa referência poético-musical pra falar a verdade; mais em seguida, temos também O Xote das Meninas, clássico de sua parceria com Zé Dantas é a verdadeira tradução sobre o drama das mocinhas que cansam das bonecas e querem mesmo namorar, com aquele tom cômico que faz parte das canções; mais em diante, contamos com uma espécie de guia para todo aquele que quer conhecer o território nordestino: o popular ABC do Sertão, também feita em parceria com Dantas mostra a pronúncia do alfabeto e sem muita enrolação, tudo na pegada do arrastapé largado; e ainda há um lado melancólico no disco, e isso é muito notável em Acauã, outra que não tem a assinatura de Gonzaga, mostra um pouco da angústia do pássaro nesta toada que emociona a gente de cara; a próxima faixa que aparece é uma pérola do cancioneiro gonzaguiano, intitulada Algodão, que é nada mais que a história dos trabalhadores que colhem o "ouro branco" no campo de sol a sol, poeticamente original, apenas isso a descrever; e o disco não tinha outro jeito como encerrar senão com o clássico originalmente lançado em 1947 intitulado Asa Branca, um verdadeiro retrato do sertão, o maior tema que Gonzagão compôs e colocando em seu poema a ave asa-branca, que bateu asas e deixou o sertão para se imortalizar eternamente na história da MPB assim como seus criadores, o acordeonista e o letrista Humberto Teixeira, que tiveram outras parcerias consideradas marcantes que mostram um pouco da história do Nordeste também em suas músicas, embalantes de Norte a Sul até os dias atuais.
Set do disco:
1 - Paraíba (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
2 - Respeita Januário (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)
3 - Saudades de Pernambuco (Salvador Miceli/Sebastião Rosendo)
4 - O Xote das Meninas (Luiz Gonzaga/Zé Dantas)
5 - ABC do Sertão (Luiz Gonzaga/Zé Dantas)
6 - Acauã (Zé Dantas)
7 - Algodão (Luiz Gonzaga/Zé Dantas)
8 - Asa Branca (Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira)

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