Um disco indispensável: Transa - Caetano Veloso (Philips/Phonogram, 1972)
De volta ao Brasil em
abril de 1972 após uma temporada de dois anos e nove meses em uma temporada de exílio no Velho Continente, mais
principalmente na monárquica e fria Inglaterra dos Beatles, do agente 007 e da
efervescente Swinging London, os
baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil voltam para o País Tropical e também na
sua abençoada Bahia, lar de onde ambos vieram (Gil é de Salvador e Caetano é de
Santo Amaro da Purificação). Com saudades
da terra querida, embora não sejam mais aqueles da áurea época tropicalista (outubro de 1967 a
dezembro de 1968), eles já estavam se sentindo de vez em casa, embora já se
tinha conhecimento das prisões, torturas, desaparecimentos de amigos e
militantes de esquerda (o filho da estilista Zuzu Angel, Stuart, morreu em 1971 arrastado pelo jeep dos militares) enquanto
ambos se sentiam isolados do resto do Brasil, sempre contando com os amigos
para informá-los, embora cartas para
informar os amigos do exterior sempre eram avaliadas
pelos militares para saberem se não havia nada relacionado ao que se
passava no país, alguns os visitavam de frequência, como o poeta, músico e
escritor Jards Macalé, que os
acompanhou nessa fase inglesa. Junto deles, vinha o violinista, músico,
compositor, poeta, ensaísta e dono do partido KAOS, Jorge Mautner, exilado após diferenças
com o governo militar e enviado para a ONU em 1968, partindo para o Velho
Mundo apenas em 1970 e muitas coisas na bagagem, além das novidades que os
ingleses apresentaram a eles por lá, como a notícia de que eles haviam tocado
no lendário festival Isle of Wight,
bem no festival aonde teve uma das últimas
apresentações do guitarrista Jimi
Hendrix, que veio a morrer sufocado pelo próprio vômito mais tarde. E
também com um material novo para a Philips
lançar em vinil, da parte de Caetano, pois Gil entraria em estúdio logo ao
voltar do exílio com Expresso 2222,
o álbum gravado na Inglaterra com um conjunto de músicos brasileiros
acompanhando o baiano era Jards Macalé na guitarra, Moacyr Albuquerque no baixo, Tutty
Moreno e Áureo de Souza na área
de ritmos (percussão e bateria) e o disco era um dos mais completos da carreira de Caetano, embora seja um disco
cujo repertório é mezzo inglês e mezzo português as letras: Transa. Com as gravações feitas após voltar de uma passagem rápida de Caetano pelo Brasil,
em especial pela Bahia em agosto de 1971 - para a comemoração do aniversário de casamento dos pais Zeca e Canô e
passou para apresentar-se no programa Som
Livre Exportação, sob o comando de Elis Regina e Ivan Lins e exibido na TV
Globo e também um encontro na TV Tupi, ao lado de Gal Costa e de um dos seus
maiores ídolos: o mestre da bossa nova João
Gilberto. Depois, voltou sem dar um simples “tchau” e logo foi conceber o
álbum Transa, que foi totalmente gravado em Londres com Ralph
Mace na produção e Macalé comandando a banda que acompanhava o baiano nesse
momento e lá estava também sua velha amiga Gal, uma das tantas pessoas que
visitou os baianos na terra da Rainha Elizabeth em pleno exílio, esteve nas
gravações do álbum servindo como um “vocal de apoio” até, mas que recebe neste
disco um imenso destaque. O disco
foi lançado antes de retornar ao Brasil, com direito a um show no Queen Elizabeth Hall contando com a
banda do disco e hoje, é um dos mais
cultuados álbuns do autor de grandes canções que seguem marcando gerações e fãs pelo Brasil e
pelo mundo afora.
O formato "discobjeto" concebido por Álvaro Guimarães |
You Don’t Know Me é a canção que
abre o disco, com uma pegada suave e superando a tristeza do álbum anterior
homônimo, mostrando de vez as saudades
do país e com Gal cantando Avarandando,
do álbum Domingo (1967) ao mesmo
tempo em que Caetano canta os versos em
inglês e depois canta em português “Nasci lá na Bahia de mucama com feitor,
o meu pai dormia na cama, minha mãe no pisador...” e completa “Eu agradeço ao
povo brasileiro. Norte, Centro, Sul inteiro onde reinou o baião...”; o flerte do baiano com o reggae começa mesmo em Nine
Out of Ten, na qual baseado no som de Toots
Hibbert And The Maytals, Jimmy Cliff,
Bob Marley & The Wailers acaba
ganhando uma levada que caia aos agrados
dos fãs do popular e clássico som da
Jamaica, aonde o baiano proclama “I’m alive and vivo, muito vivo, vivo,
vivo...” como uma prova de que ele estava bem e bem vivo no Velho Continente e cujo
estilo foi descoberto na região de Portobello
Road, aonde estavam vários artistas; na sequência, temos Triste Bahia, aonde o baiano, sentindo
mais saudades de sua querida e amada terra, canta num tom poético e saudoso, e também aonde ele costura versos do
poeta Gregório de Matos (1636-1696)
com toques de berimbau e muita poesia, tanto da parte do eterno poeta apelidado
Boca do Inferno quanto a do
tropicalista; já em It’s A Long Way,
aonde ele cita a música Consolação,
do poeta Vinícius de Moraes e de Baden
Powell, e também cita Lendas do
Abaeté, de Dorival Caymmi além
de também pegar um pouco na onda do samba e ainda com um quê de Beatles, percebendo pelos versos; o
lado intérprete nunca fica de fora
em seus discos, inclusive a vez de reviver
um clássico de Monsueto Menezes
(1924-1973) chamado Mora Na Filosofia,
que ganha uma belíssima versão na
voz de Caetano e que desse mesmo compositor, viria a gravar Eu Quero Essa Mulher em 1973 no disco
Araçá Azul; e a voz de Gal reaparece em Neolithic
Man - com uma simples influência dos ritmos baianos e ainda conta com a
poesia bilíngue onipresente no disco; o encerramento fica por Nostalgia (That’s What Rock N’ Roll Is All About),
também em dueto com Gal Costa e com Ângela
RôRô na gaita, sendo o primeiro registro da futura compositora de Amor Meu Grande Amor, com um som
aproximado do folk americano.
O disco decidiu ter um projeto de capa diferente dos
tradicionais, às vezes era dupla e
que custavam uma grana imensa pra
comprar um LP destes de capa dupla na época, e o projeto de capa do álbum foi
concebida pelo ator e diretor baiano Álvaro Guimarães e pioneiro do formato “discobjeto”, aonde se abria e podia
formar um triângulo, porém Caetano ficou ignorado com a falta de informações no
encarte, por exemplo, a dos outros músicos que participaram do álbum e que só vieram
a ser corrigidos em breves edições de relançamento
no formato CD, nos últimos dez anos. O disco serviu como inspiração também para os mais atuais trabalhos do compositor
baiano, como o Cê (2006), aonde ele
se reaproximou um pouco com o som que fazia na época do disco Transa, seguidos de Zii e
Zie (2009) e Abraçaço (2012).
Também servindo de inspirações para
outros artistas e outros discos da nossa cena musical brasileira, continua a
influenciar vários nomes da nova cena MPBística,
brevemente conquistando a 10ª posição em uma lista da revista Rolling Stone dos
100 Melhores Discos da Música Brasileira
em 2007.
Set do disco:
1 - You Don't Know Me* (Caetano Veloso) - com Gal Costa
2 - Nine Out Of Ten (Caetano Veloso)
3 - Triste Bahia (Caetano Veloso/adaptação do poema de Gregório de Matos)
4 - It's A Long Way** (Caetano Veloso)
5 - Mora Na Filosofia (Armando Passos/Monsueto Menezes)
6 - Neolithic Man (Caetano Veloso) - com Gal Costa
7 - Nostalgia (That's What Rock And Roll Is All About) (Caetano Veloso) - com Ângela RôRô (gaita) e Gal Costa (vocais)
CITAÇÕES:
* Avarandando (Caetano Veloso)
** Consolação (Baden Powell/Vinicius de Moraes)/Lendas do Abaeté (Dorival Caymmi)
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