No Vayas a Atender Cuando el Demonio Llama - Lali (Sony Music, 2025)

Concordamos aqui que a Argentina sempre foi realmente um país exportador de música, e não é de hoje que temos visto a enorme força do país nesse quesito: basta repararmos o tango, que desde Gardel até passar por nomes como Gardel, Roberto Goyeneche, Osvaldo Pugliese, Tita Merello, Libertad Lamarque entre outros, um gênero que sempre foi muito fortemente defendido e com suas origens e músicas preservadas. O folklore, que é similar a música feita no Rio Grande do Sul e difundida pelos cantos do rio da Prata também teve seus fortes difusores: basta lembrarmos de ícones que atravessam gerações como Atahualpa Yupanqui, Horacio Guarany, José Larralde, Argentino Luna, Jorge Cafrune e Mercedes Sosa que foi para além das raízes se tornando uma porta-voz da resistência argentina em tempos difíceis. O rock argentino nem precisamos acabar por estender, né? Tendo ícones como Luis Alberto Spinetta, Charly García, Fito Páez, Gustavo Cerati... fora as bandas! Mas sim, a Argentina sempre foi um país que nos apresentou cantoras, desde as aclamadas Merello e Lamarque, passando por Mercedes Sosa, Nacha Guevara, Violeta Rivas, Gabriela, Teresa Parodi, Fabiana Cantilo, Hilda Lizarazu, Mavi Díaz, María Gabriela Epumer, Marcela Morelo, Soledad Pastorutti... enfim. E algumas cantoras ainda com o pé na atuação, no caso de Pastorutti que já fez filmes e novelas, e foi numa dessas novelas protagonizadas por La Sole que conhecemos uma atriz na pré-adolescência em seu primeiro papel de outros tantos. Seu nome? Mariana Espósito, nascida em Buenos Aires no dia 10 de outubro de 1991, apelidada por seu irmão como Lali - e assim tornaria-se conhecida brevemente. Desde criança sempre gostou da arte, e quando tinha seus 10 para 11 anos viu um anúncio de teste para atrizes e atores mirins e mesmo com o não de seus pais, foi sua irmã mais velha que a levou até não saber qual era a tal fila. Chegando no local, se perderam até chegar numa fila onde estavam para disputarem vagas para o elenco da escritora e produtora Cris Morena, criadora da novela Rebelde - e quando se apresentou, mal sabia que não era o teste que ela viu para fazer pois muitos deles eram divulgados entre agências, mas conseguiu o papel para atuar em Rincón de Luz, um spin-off de Chiquititas protagonizado por Soledad em que Espósito fazia a menina Malena em que fugia de uma tia muito maldosa se passando por um menino chamado Coco num orfanato. E assim sua carreira foi começando a acontecer, em seguida participou de Floricientas - a novela que originou a sua versão brasileira Floribella - participando das duas temporadas em 2004 e 2005, e no ano seguinte participou de Chiquititas Sin Fin, mas seu grande salto como atriz foi em Casi Ángeles - fazendo o papel de Marianella, uma das protagonistas e fazendo as temporadas de 2007 até 2010 quando foi seu último ano no ar, e após sete anos, deixa de ser uma "chica Cris Morena" como eram chamada as atrizes que trabalhavam com a escritora argentina de telenovelas infantojuvenis.
Entre 2011 e 2013 seguiu atuando em telenovelas, mas mesmo assim seguia atuando no grupo originado pela telenovela Casi Ángeles, os Teen Angels até a derradeira apresentação em junho de 2012 e como Lali já cantava nas novelas de Cris, ela sentiu que era hora de alçar seus voos como cantora e iniciar uma carreira na música não era fácil e fazer pop na Argentina era muito ousado, já que o público era mais nichado e não era tão expandido e planejou seu primeiro álbum solista com um grupo de produtores conhecido como 3música, que esteve envolvido na sua louvável estreia A Bailar, que logo de cara já começou bem tendo sua faixa-título um hit absoluto e em seguida Asesina outro tema de destaque que repercutiu bem. Seu primeiro show em setembro de 2013 no La Transtienda foi um começo moderado - uma banda, dois bailarinos e a certeza de que Lali seria grande como cantora. E dois anos depois de A Bailar - álbum de estreia lançado em março de 2014, veio seu segundo álbum intitulado Soy - este, um enorme sucesso, e nessa época já estava até abrindo para medalhões do pop como do grupo Fifth Harmony, Katy Perry e Ricky Martin, além de ser a voz principal e única da trilha sonora da telenovela Esperanza Mía. Seu nome como cantora vinha crescendo muito, e isso não atrapalhava sua carreira como atriz, além de novelas como Esperanza Mía, ainda fez filmes como A Los 40 (2014) e Me Casé con Un Boludo (2016) conciliando e bem suas carreiras. Em 2018, o álbum Brava seguia mostrando sua grandeza como cantora - temas como Una Na - lançado antes do álbum, Tu Novia e Somos Amantes mostravam sua evolução constante sem se repetir, e ainda teve a presença de Mau y Ricky em Sin Querer Queriendo, A.CHAL em 100 Grados, Abraham Mateo dividiu o microfone com ela em Salvaje e tivemos o Brasil representado pela drag Pabllo Vittar em Caliente - é mole? E começou a se destacar mais ainda quando em paralelo participava do single Lindo Pero Bruto ao lado de uma das maiores referências do pop latino - simplesmente Thalia, ou seja: cresceu e evoluiu muito bem musicalmente e foi deixando aquela imagem de menina meiga das novelas pra trás mostrando o mulherão que se tornou com letras criticando o machismo. Em 2020, durante a pandemia, estava na Espanha - de quarentena - pois estava rodando por lá Sky Rojo, série da Netflix, e trabalhando em seu quarto ou quinto (se juntar a trilha) álbum solo chamado Libra - novamente um acontecimento - mesmo com a pandemia do coronavírus , e que só pôde cair na estrada e cantar parte de seus temas em 2022 com a Disciplina Tour quando já havia participado até de álbuns de nomes como Fito Páez, Mau y Ricky, Diego Torres, Pedro Capó e Los Ángeles Azules, estava a prova de que o nome de Lali cada dia mais ficava gigante. E para coroar seus 10 anos da carreira de cantora, lançou o álbum que manteve sua consagração e que levava apenas o nome LALI e apresentou hits como Disciplina - apresentada na tour de mesmo nome anteriormente, Cómprame Un Brishito, 2 Son 3, ¿Quienes Son?, Diva e Obsesión foram os grandes destaques deste álbum e marcaram o início de uma nova parceria musical com o produtor Mauro de Tommaso que foi muito fundamental na forma como ela queria que sua música fosse escutada. Logo com o lançamento do álbum, saiu em tournée promovendo seu novo trabalho e levando multidões por onde passa desde casas de espetáculos maiores até estádios e ginásios. Ao mesmo tempo, através de suas canções, Lali se mostrou uma artista extremamente posicionada politicamente sendo uma feminista voraz, a favor do aborto e uma feroz crítica do governo do presidente Javier Milei - que também não poupou muito para criticá-la. Com o self-titled album ela foi além, e encontrou forças para poder criar um sucessor tão forte e marcante, com singles antecipando o que viria a ser seu próximo trabalho ao mesmo tempo em que estava com a tour do álbum de 2013 na estrada - com De Tommaso na produção e ao lado de Don Barreto e um super time de compositores ajudando no próximo material - ou seja, ela nunca esteve sozinha em sua caminhada musical. Após o lançamento dos quatro singles antecedidos, o público pôde conhecer no dia 29 de abril o material na íntegra intitulado No Vayas a Atender Cuando el Demonio Llama, a capa mostra o detalhe do tronco definido do corpo da cantora e um cinto com uma fivela detalhando o nome do disco e uma estrela em forma de pentagrama invertido remetendo ao símbolo de Baphomet, mas que forma seu nome assim como no couro do cinto seu nome é estampado - criação visual da própria Lali junto de Pablo Cerezo com fotos de Guido Adler e Todo Chiavassa, e que até lembra a capa de Like A Prayer (1989) da cantora Madonna - um disco cheio de atitude e uma diversidade sonora pop como pouco se ouviu. 
Na introdução do álbum, temos um esquenta - a faixa Popstar serve como uma vinheta de introdução que lembra os temas infantis, um pouco do estilo de Xuxa até, também os temas das novelas de Cris Morena - com um toque nostálgico, engane-se quem acha que a melodia entregue algo simples, fala de como ela é uma antagonista pop ironizando sobre como a veem tanto seus fãs quanto seus algozes críticos - uma prova cabal de seu amadurecimento e mostrando-se imbatível até a música diminuir a rotação; em seguida, dá-se entrada para uma pedrada que garante o repertório - com Lokura entrega uma história pessoal de seu primeiro amor platônico - seu desejo por um rapaz que andava de cadeira de rodas e busca se entregar a ele, com muitos ares pop e cheio de guitarras, um rockão autêntico; na sequência, ela entrega mais e mais em No Me Importa com ares mais autobiográficos, na qual ela deixa claro que ela hoje quer ser o que quer ser e sabe que nada é como no passado e deixa claro no refrão que nunca foi o que queriam dela, trazendo de volta o synthpop e o new wave pra 2025 com um arranjo dançante e vivido que termina com uma vibe desplugada e com um coro puxando o refrão com um violão de fundo como se a festa parecesse ter acabado; e se a festa acabou na faixa anterior, aqui ela retoma em Plástico onde ela parece descrever a sua rotina e assume como é viver no meio de um turbilhão de gente e sente ver todos como gente de plástico, sem vida - a participação do cantor Duki faz com que a conexão entre ambos soe bem nesse pop enérgico que conta com sampler do hit No Me Dejan Salir (1983) do lendário Charly García; mantendo a força sonora vibrar, ela apresenta na próxima faixa Tu Novia II em que fala sobre estar observando um casal e ela busca desejar se envolver com a mulher do casal - com citações a ¿Y Qué? (2004) dos Babasónicos e 2 Son 3 (2023) da própria Espósito nos versos, o pop rock eletrônico tem mais proximidade do electro-rock dos 2000 e dos temas de Lady Gaga dos primeiros álbuns; na próxima canção, do pop dançante para o sutil é uma mudança instantânea e Morir de Amor entrega uma história de confusão emocional ao tentar não se apaixonar apesar de um desejo enorme, fazendo uma citação a El Pibe de los Astilleros (1991) da banda argentina de rock Patricio Rey Y Sus Redonditos de Ricota e um sampler de A One Two (1986) do rapper Biz Markie, a canção que vai por uma coisa mais suave tem um andamento que faz parecer tango - talvez Lali quis mostrar por que é a artista argentina mais completa ao usar essas referências e contar com a presença de Daniel Suárez e Germán Sbarati do conjunto Bersuit Vergarabat nos vocais nesse quase tango à moda laliniana; e voltando com gás o clima pop festeiro do álbum ela coloca na empolgante Mejor Que Vos é uma bela forma de celebrar a libertação e o empoderamento após deixar um relacionamento extremamente tóxico, a atmosfera pop oitentista contou com a presença de Alejandro Sergi e Juliana Gattas do conjunto Miranda! faz a gente dançar até cansar de vez marcado pela presença de sintetizadores e da máquina de ritmos que ajudam na melodia; adiante, o repertório do álbum tem seus momentos mais delicados e intimistas que acabam quebrando o gelo e No Hay Héroes busca falar de dificuldades na vida como se mostrasse que em momentos difíceis não há ninguém para nos ajudar, o violão e a voz dão essa sutileza precisa em uma canção em que Espósito conta com a mãozinha da mexicana Julieta Venegas na composição.
O álbum segue com uma breve pausa numa espécie de vinheta intitulada Sensacional Éxito como se fosse um anúncio de um programa de TV divulgando seu novo álbum e com uma locução feita por Eduardo Colombo, voz-padrão das chamadas da Telefe (emissora argentina de televisão) e com referências às críticas dirigidas a ela por se opor ao governo de Milei - um prato cheio pra continuar com tudo; e o som volta a rolar com tudo após um intervalo logo com uma outra pedrada - Sexy soa como uma aventura romântica entre duas pessoas que estão conectadas fortemente e envolvendo até uma espécie de sextape, só que em tempos de TikTok, a vibe roqueira ganha uma forte presença com uma batida que lembra muito o glam dos 70 começo, e a voz de Espósito segue afinadíssima; a faixa a seguir foi quem antecedeu todo o material, a dura Fanático é uma cutucada com vara curta ao presidente argentino Javier Milei, que havia a criticado dizendo que não a conhecia após ela mostrar ser fortemente uma crítica feroz de sua eleição e seu mandato, cheio de indiretas a faixa lançada em outubro de 2024 foi um choque imediato e com uma atmosfera bem final dos anos 2000, o arranjo serviu direitinho como uma luva e traz uma essência rock and roll como poucas cantoras exploram com muita precisão; a próxima música que vem é mais suave das outras duas, Perdedor soa como um lamento e desabafo de um fim de relacionamento, sobre alguém que sempre acreditava num amor eterno até que essa pessoa de repente começa a sumir e compara a um cavalo ruim de apostar que sempre perde, a pegada que lembra as baladas italianas acaba fazendo a gente voltar aos anos 90, e em seguida dão lugar a algo mais erudito no final com a orquestra dando um show nas melodias, até pratos aparecerem contando a próxima música; e adiante, temos uma pedrada que ainda garante o bom desse álbum - 33 (idade em que Lali lançou essa música) é um rockão que busca refletir sobre passagem do tempo, maturidade e autenticidade pessoal e busca numa visão crua e honesta falar de relacionamentos, perdas, renacimentos e de buscar fortalezas no meio de tantas incertezas pessoais - com a participação de Dillom, os dois buscam fazer visões pessoais da vida num tema pesado marcado pela sonoridade que lembra o pop punk do final dos anos 1990 muito marcado pela bateria e pela guitarra, mas também pela pegada mais new-wave e pós-punk oitentista com os versos entoados por Dillom como um rap; e ainda não deixando de falar da próxima música, Pendeja é como um grito de orgulho de Lali ser quem ela é e mostra que gosta de ser vista como uma pentelha, com um arranjo marcado pelo estilo hard rock que faz jus a esse lado mais diferente dela, a guitarra e a bateria lembram um pouco o glam metal dos anos 80, com direito a áudio de WhatsApp Majo Riera - mãe da cantora - dizendo que Lali já é maior de idade antes do refrão, que é repetido 3 vezes logo no final; e o encerramento não fica bem em Pendeja, senão numa vinheta chamada Fin de Transmisión como se fosse um anúncio de TV ou também de rádio anunciando o final do álbum com uma voz em off feita por Evelyn Botto sugerindo uma breve indireta até nas famílias apoiadoras de Milei "confiamos que van a reproducir hasta que sus familias los odien" e após o "y recuerden..." sai do ar com ruído de sem sinal decretando de vez o fim de um álbum argentino que já nasceu clássico.
Ser a maior artista pop dentro de seu próprio país e enveredar pelo lado de atriz, fazer álbuns que o público realmente entenda as mensagens que ela quer transmitir e ainda sim ser querida em diversos países que sua música seja escutada fazem de Lali a maior rockstar argentina - marcando presença em festivais simbólicos como Cosquín Rock, ela consegue em um álbum como este transcender e caminhar por diversos públicos, do roqueiro ao pop e da criança aos mais de idade, consegue provar que é uma artista completa e que nunca preferiu ser vinculada à rótulos. 12 anos depois, Lali Espósito pode ser considerada uma artista pop do mesmo nível que Taylor Swift e Ariana Grande - com discos bem recebidos por fãs e críticos, botando todo mundo pra cantar junto em arenas e renovando seu público. E o Milei ainda vai ter que engolir ela e seu estrondoso sucesso.
Set do disco:
1 - Popstar (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj)
2 - Lokura (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto)
3 - No Me Importa  (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Federico Barreto)
4 - Plástico (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto/Mauro Lombardo) - participação de Duki
5 - Tu Novia II (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto/Adrián Rodríguez/Mariano Domínguez)
6 - Morir de Amor (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto)
7 - Mejor Que Vos (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Alejandro Sergi)
8 - No Hay Héroes (Mariana Espósito/Isabela Terán Lieban/Julieta Venegas)
9 - Sensacional Éxito (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Juan Giménez Kuj)
10 - Sexy (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto/Julieta Aylén Ordorica)
11 - Fanático (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto)
12 - Perdedor (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto)
13 - 33 (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto/Dylan León Masa/Mariano Napoli)
14 - Pendeja (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Martín D'Agosto/Isabela Terán Lieban/Juan Giménez Kuj/Federico Barreto/Mariano Napoli)
15 - Fin de Transmisión (Mariana Espósito/Mauro De Tommaso/Juan Giménez Kuj)

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