In the Wee Small Hours - Frank Sinatra (Capitol Records, 1955)

Imagine que você seja um dos principais cantores da moda nos anos 1940 e 1950, ser o mais requisitado para aparecer em produções cinematográficas e, de repente, ver sua carreira em declínio após se divorciar da esposa com quem você teve seus três filhos e de repente, as portas se fecham e você acaba ficando sem muito o que fazer. Pois é. Como já falamos da história de todo o começo de Frank Sinatra em algumas reviews, nem precisamos dizer de novo como os anos 50 em seus primórdios foram crueis para o dono de um dos mais emblemáticos vozeirões de todos os tempos: após deixar de ser crooner das orquestras de Harry James, virar o principal cantor da Columbia Records e de ser requisitado para diversos longametragens em Hollywood e de causar histeria nas jovens quando se apresentava e virando um fenômeno popular dentro e fora da América. De repente, sua vida cai por terra quando se separa de Nancy Barbatos com quem teve os filhos Nancy, Frank Jr. e Tina e com isso, sua carreira decide ir ao fundo do poço após assumir um romance com a atriz Ava Gardner, porém, uma nova oportunidade em sua carreira aparece quando o convidam em 1953 para participar do filme A Um Passo da Eternidade, o que favorece na vida dele em 1954 quando este ganha o Oscar pelo seu papel como Melhor Ator Coadjuvante e ao mesmo tempo, se sua saída na Columbia não o favoreceu muito, agora com um prêmio pela sua atuação em um filme, talvez as portas voltariam a se abrir mais ainda. Vale lembrar que no meio dos anos 1950, o mundo ainda se recuperava das sequelas da II Guerra Mundial, e com isso a grande briga pela dominação do poder - o bloco capitalista dominado pelos EUA versus a ala socialista dominada pela URSS visto como o pesadelo comunista que se criou durante a Guerra Fria e isso viria a aumentar a disputa pela chamada corrida bélico-espacial, o que fez acontecer uma observação pelos novos avanços cyber-tecnológicos que mudariam os rumos da história do século XX. O cinema se reinventava a cada dia com musas como Marilyn Monroe, Diana Dors, Jayne Mansfield, Natalie Wood, Sophia Loren, Brigitte Bardot e astros como Marlon Brando, Jerry Lewis, Sal Mineo, James Dean - cuja carreira foi interrompida de forma trágica, enquanto no ambiente europeu, o cinema vinha se inovando e atraindo espectadores em especial as produções alemãs, francesas e italianas. A música estava evoluindo, aos poucos a febre das big bands e dos músicos de jazz e blues abriria novas portas para o que viria a futuramente se tornar o rock and roll mais adiante capitaneado por Bill Halley, Elvis Presley, Chuck Berry, Buddy Holly, Fats Domino, Little Richard e que mudaria todos os rumos da história da música, mas entre todos eles, Sinatra ainda reinava poderoso com sua voz aveludada e sua forma única de trazer velhas canções para o público com novos ares.
Ao lado de Ava Gardner, a responsável pela existência
indiretamente deste álbum: casamento frustrado.
Em 1953, ele decide assinar com uma nova gravadora, a Capitol Records - fundada em 1942 por Johnny Mercer, Buddy DeSylva e Glenn Walichs num momento em que o mercado fonográfico começava a crescer nos EUA em meio à II Guerra Mundial e teve como seus primeiros artistas a gravarem por lá Billie Holiday, Sammy Davis Jr., Les Paul & Mary Ford, Merle Travis e um dos grandes nomes da música que viria a conquistar também o mundo - Nat King Cole aos poucos se tornava o principal fenômeno da música saindo do nicho jazzístico pra conquistar multidões com sua voz aveludada. Sinatra e Capitol pareciam ser feitos um para o outro nesse período, só em 1954 ao emplacar seu Oscar ainda lançou seu primeiro longplay pela gravadora nova intitulado Songs for Young Lovers em que músicas como Violets for Your Furs, a célebre My Funny Valentine e Like Someone in Love se destacam no repertório e contando com os arranjos e regência de George Siravo, a exceção de 
Like Someone in Love que ficou por conta de Nelson Riddle, seu maior parceiro nos próximos anos. Oito meses depois é editado seu segundo longplay pelo selo, Swing Easy! e dessa vez com todos os arranjos sob a batuta de Riddle e ambos álbuns com a produção de Voyle Gilmore - parceria esta que sucedeu-se ainda em mais seis álbuns durante a sua passagem pela Capitol, dentre estes o terceiro álbum - In The Wee Small Hours, um álbum muito inspirado pelo casamento fracassado com Ava Gardner (separaram-se em 1954 e o divórcio só veio 3 anos depois) e Frank, como um cara que conhece bem o que canta, sabia escolher o repertório - ainda mais, num momento em que sua vida amorosa voltou a declinar e aparecer de forma um tanto negativa sobre seu romance frustrado nas publicações sobre celebridades na época. Na capa, traz a pintura de uma rua à noite em tons azulados rompidos por uma versão pintada de Sinatra em perfil olhando cabisbaixo a segurar um cigarro num tom sentimental e reflexivo - essa imagem chegou a ser referência até para capas como de Tom Waits, Harry Nilsson e pelo conjunto musical Subsonics - já na contracapa, o vemos acompanhado de uma orquestra durante as gravações nos lendários estúdios da Capitol em Hollywood - o artista fazendo o que ama em um momento exposto. 
Com o arranjador Nelson Riddle
O álbum abre logo de cara com In the Wee Small Hours of the Morning logo expressa um homem que segue acordado nas primeiras horas da madrugada enquanto o resto das pessoas seguem dormindo e está remoendo lembranças de um amor antigo num misto de solidão e saudade, marcado por um belo piano que abre com classe este disco; a seguir, aparece um velho clássico dos standards - Mood Indigo é uma metáfora para um estado de melancolia intensa e expressa a origem de tanta tristeza: a partida de um amor, aqui esse clássico da autoria Duke Ellington com Barney Bigard e Irving Mills de 1930 ganha uma beleza com as cordas desfilando melodias; mais adiante, outro clássico que o Voice apresenta nesse seu conjunto de canções melódicas - Glad to Be Unhappy aborda os sentimentos de um amor não-correspondido e de que pode ser uma experiência não dolorosa, mas que é um prazer sofrer por alguém que adora mesmo que o outro não expresse esses mesmos sentimentos, criação da dupla Richard Rodgers & Lorenz Hart que carrega uma sutileza lindíssima e Sinatra dando aquele tom intimista dentro da música com um piano acompanhando ao longo da música fazenco a soar doce e melancólico ao mesmo tempo; em seguida, o álbum ainda nos oferece um show de canções como I Get Along Without You Very Well, uma bela criação de Hoagy Carmichael de 1939 em que explora a dor da ausência e a tentativa de seguir em frente após o término da relação, e que aqui ganha uma bela versão com Sinatra tentando dizer que consegue ficar bem sem alguém - indireta para Ava? A próxima faixa do longplay é um belo convite a um descanso, Deep in a Dream interpreta a sensação de estar só em sua casa e se põe a sentar em uma cadeira enquanto a fumaça do cigarro sobe ao ar e ele começa a pensar na sua amada em um sonho profundo onde é explorada a profundidade dos sentimentos de amor e de perda, Sinatra faz nessa interpretação belamente executada com orquestra pareça uma canção de ninar; dando continuidade ao tema da música anterior, como se fosse uma ligação - I See Your Face Before Me entrega um eu-lírico preso a ilusões que fazem recordar à pessoa com quem teve uma relação e no final entrega que conheceu alguém que seja fiel e representa o seu ideal de amor, as flautas e a harpa fazem parecer soar como a música dos anjos num arranjo que nos faz se apaixonar - obrigado Nelson Riddle; no que vamos prosseguindo na audição, ainda tem muito melodismo de sobra, em Can't We Be Friends? marca o auge das desilusões amorosas e o amor não correspondido, depois de acreditar na ingenuidade de cada palavra dita para àquela quem ele acreditava que seria seu grande amor para toda a vida e a frase que leva o nome da música acaba sendo como um golpe em si próprio, marcado pelo piano que dá o tom que a canção realmente precisa; ao se abrir em canções dos anos 20 até princípios dos 50, Sinatra não deixa de fazer como se falasse sobre si mesmo como em When Your Lover Has Gone busca uma reflexão profunda da dor e o isolamento que acompanham a perda de um amor, as cordas no final soam como o final de um momento noturno de alguém lastimado sobre o fim do seu romance.
Continuando bem a análise do disco, ainda podemos ter aqui pérolas como What is This Thing Called Love? - uma das tantas obras criadas pelo brilhante compositor Cole Porter - em que o narrador descreve enigmaticamente sua vida monótona antes de ser tocada pelo sentimento, aqui os sons de instrumentos de sopro desfilam doces melodias junto das cordas; a seguir, outra das velhas canções dos anos 30 ganha um frescor na versão do nosso vozeirão de Hoboken - Last Night When We Were Young é um acesso nostálgico de alguém que recorda anos de quando jovem ainda estava acompanhado de sua amada pela primeira vez como se estivesse vivendo um sonho, a orquestra faz parecer a música levar a esses ares de nostalgia; em seguida, somos apresentados a outros temas que demonstram esse tipo de sentimentalismo guardado em si - I'll Be Around pode ter para alguém vários significados, um deles pode ser o de alguém que acaba aceitando que tudo acabou e decide entender e seguir refletindo tristemente, o piano com uma atmosfera bluesy dá o tom necessário que a música estava a precisar; adiante, com a atmosfera mais próxima de um filme noir dos anos 1940/50 do que de um melodrama cinematográfico Ill Wind é bem assim, demonstra por versos como que um amargo término de relacionamento acaba parecendo o sopro de um vendo pedindo para que sopre distante do eu-lírico - o casamento de melodias com os versos da canção entoados por Frank já diz tudo e já prova que qualquer canção no seu repertório ganha um perfeito tempero; em seguida, Sinatra nos entrega duas músicas da dupla Rodgers & Hart para completarem o repertório e clássicos ilustres - a primeira é a doce It Never Ended My Mind, na qual ele lembra que faz falta a pessoa amada lembrando de coisas e de situações que jamais passariam na cabeça dele como quem fosse precavido de quem sabe do que se passou, o arranjo de metais e cordas funciona bem com o tom melódico que Sinatra pediu pra música; a próxima música a seguir da clássica dupla é Dancing on The Celling em que o eu-lírico viaja nostalgicamente sobre sua antiga companheira imaginando que ela esteja por perto ao observar sob o teto dançando de ponta-cabeça marcado por um doce piano e o vozeirão de Hoboken mandando ver como sempre; adiante, temos aqui um doce e maravilhoso tema que dá continuidade a esse conjunto de canções marcadas pela dose sentimentalista - I'll Never Be the Same é uma declaração de autorreconhecimento em que sabe que não será mais o mesmo depois de um término abalável de um relacionamento, a orquestra parece soar uma melodia que lembra as canções de ninar ou os ambientes sonoros de fundo das animações clássicas de Walt Disney; o encerramento fica por conta de um tema singelo que combina nesse material - This Love of Mine marca pela sua forma de descrever que o amor do narrador continua, apesar de vazia, explorando a dor e a solidão resultantes da perda de uma paixão, as cordas dão essa beleza aparente na música e os últimos acordes soam como o fim de um baile, melancólico e triste.
Logo com o sucesso, o álbum inicialmente lançado em duas partes conquistou mais novos fãs de Sinatra, recebendo aclamação da crítica especializada e renovou um público que ao mesmo tempo estava descobrindo o rock que havia acabado de nascer naquele momento, e que continuou a ser o grande sucesso da vez em meio ao novo turbilhão da juventude. Seu sucesso ajudou ainda a continuar os trilhos que estavam sendo novamente erguidos em sua estrada que ainda tinha muito a percorrer, sucedido em menos de um ano pela belíssima Songs For Swingin' Lovers! - mas aí já é uma outra história. Com o tempo, o álbum marcou gerações e seguiu influenciando diversos cantores e arranjadores - sim, isso mesmo! Ou você pensa que Nelson Riddle não ajudou nos novos rumos da música e sequer gerou um legado e só Frank seguiu sendo influente? E ainda segue sendo referência fazendo parte de listas como a da revista Rolling Stone dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos - em 2003 conquistou a 100ª posição e na versão de 2020 figurando em 282º lugar, além de aparecer na lista 1001 Álbuns Para Ouvir Antes de Morrer, destacando seu trabalho com a interpretação de vários standards presente. Fato é que realmente Sinatra e vinho combinam perfeitamente - com o tempo, suas interpretações seguem tendo um gostinho que permanece o mesmo de anos antes.
Set do disco:
1 - In the Wee Small Hours of the Morning (Bob Hilliard/David Mann)
2 - Mood Indigo (Barney Bigard/Irving Mills/Duke Ellington)
3 - Glad to Be Unhappy (Richard Rodgers/Lorenz Hart)
4 - I Get Along Without You Very Well (Hoagy Carmichael)
5 - Deep in a Dream (Eddie DeLange/Jimmy Van Heusen)
6 - I See Your Face Before Me (Howard Dietz/Arthur Schwartz)
7 - Can't We Be Friends? (Paul James/Kay Swift)
8 - When Your Lover Has Gone (Einar Aaron Swan)
9 - What is This Thing Called Love? (Cole Porter)
10 - Last Night When We Were Young (Harold Arlen/Yip Harburg)
11 - I'll Be Around (Alec Wilder)
12 - Ill Wind (Harold Arlen/Ted Koehler)
13 - It Never Ended My Mind (Richard Rodgers/Lorenz Hart)
14 - Dancing on The Celling (Richard Rodgers/Lorenz Hart)
15 - I'll Never Be the Same (Gus Kahn/Matty Malneck/Frank Signorelli)
16 - This Love of Mine (Sol Parker/Henry W. Sanicola Jr./Frank Sinatra)

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