Signos - Soda Stereo (CBS Discos, 1986)

Podemos dizer que os anos 80 são vistos até hoje como a década da libertação de tabus e de avanços, provando que desde a tecnologia até a política ganhariam reviravoltas históricas. Os computadores de mesa mostraram que vieram pra ficar conquistando aos poucos o mundo, bastava ver o que Steve Jobs estava fazendo à frente da Apple mostrando o futuro através do Macintosh - e um ano depois, demitido da empresa que fundou. O rock começava a tomar de assalto o cenário latino e a América hispânica, ou Hispanoamérica, e os países estavam começando a desenvolver culturalmente de uma forma que era impressionante, bastava ver o México após anos com a proibição do gênero nas rádios e nas televisões desde a loucura do festival de Avándaro em 1971, e mais de dez anos depois, os conjuntos Botellita de Jerez, Ritmo Peligroso, Kenny y Los Eléctricos, Tex Tex, El Tri, Fobia, Caifanes e Maná estavam levantando o rock no país dos guacamoles para as multidões num momento onde o governo de um partido seguia no poder a quase 60 anos e foi justamente o cenário roqueiro chicano que ajudou a levantar uma nação após o terremoto de setembro de 1985 que matou inclusive um dos poetas da geração, o promissor Rodrigo González. Agora, o cenário estava fervendo mesmo era na Argentina, que estava se reerguendo após a Guerra das Malvinas que pôs em xeque a ditadura militar, durando mais um ano até uma nova eleição ocorrer em 1983 que deu a Raúl Alfonsín a vitória pondo a democracia de volta ao país trazendo novos frescores e uma efervescência cultural que trazia uma inovação junto do cenário político-social. Nomes como Roque Narvaja, Nacha Guevara, Mercedes Sosa e León Gieco podiam voltar em paz a viver na Argentina depois das ameaças e perseguições. Os medalhões do rock como Luis Alberto Spinetta flertavam com o jazz-rock, o fusion e estava envolvido primeiro com o revival do conjunto Almendra que rendeu um disco inédito e um duplo gravado ao vivo no Obras Sanitariaas, e em seguida já estava ao mesmo tempo envolvido com o Spinetta Jade lançando 4 álbuns e dois como solista em paralelo. Pappo havia retornado da Inglaterra onde viu o furor de bandas como Motörhead, Judas Priest e Iron Maiden e decidiu montar uma banda de metal chamada Riff com um disco essencial pra esse período pré-Malvinas - a magnum opus Ruedas de Metal, e depois viria a ter no Brasil uma passagem curta pela Patrulha do Espaço rendendo um disco. Miguel Abuelo depois de anos viajando mundo afora e gravando um disco raríssimo chamado Et Nada, decidiu remontar o Los Abuelos de La Nada com uma geração mais jovem revelando músicos e compositores talentosos como o futuro produtor premiado Cachorro López e o brilhante Andrés Calamaro, fazendo um capítulo importante pra essa geração. O nosso querido Charly García depois de ter feito história com Sui Generis, La Máquina de Hacer Pájaros e em especial com o megagrupo Serú Girán, assume-se como artista solo de vez durante a época da guerra contra os ingleses pelas ilhas Malvinas em 1982. Todos eles estavam aproximados da nova geração - com bandas que estavam vindo dos porões do underground como os new-wavísticos Virus, os irreverentes do Los Twist, o girl-power do Viuda e Hijas de Roque Enroll, a conexão Mississippi-Mataderos do pessoal do Memphis La Blusera, e tendo destaque também bandas como Suéter, G.I.T., os punks Los Violadores e futuramente os grupos de ska/reggae Los Fabulosos Cadillacs, Los Auténticos Decadentes e Los Pericos que viriam a ser febre maior na década seguinte. Essencial pro cenário da época, o Sumo atravessou gerações e seu vocalista Luca Prodan era considerado uma figura diferenciada em terras hermanas visto que ele, nascido italiano, veio da Escócia onde viu o punk inglês acontecer e levou sua bagagem pra banda que formou com músicos geniais como Ricardo Mollo, Alejandro Sokol e Roberto Pettinato. Mas, gigante mesmo foi um conjunto liderado por 3 rapazes que iam ser referência pela América Latina afora - nascido de um encontro de dois colegas do curso de Publicidade, num verão de 1982 em Punta de Leste (Uruguai) onde Gustavo Cerati (voz e guitarras) e Héctor "Zeta" Bosio (baixo e vocais) se juntaram pra fazer música com suas bandas e acabaram iniciando uma parceria, e após a tentativa de um grupo mais eletrônico com Calamaro, eis que acontece um inesperado encontro na piscina do River Plate entre Gustavo e um jovem que sabia da afinidade dele por Laura Cerati, sua irmã, fizeram com que Charly Alberti após ser atendido ao telefone pelo irmão da moça, disse que era baterista e pronto! - Zeta, Alberti e Gustavo montavam o Aerosol, que depois de outros tantos nomes viraria Soda Stereo após decidirem tentar a fusão de dois nomes: Soda e Estéreo.
Cerati, Alberti e Bosio em 1986: donos da América Latina
Da festa de aniversário do amigo Alfredo Lois, o primeiro show, em dezembro de 1982, até as esporádicas apresentações em locais de Buenos Aires como o Café Einstein - point da agitação cultural portenha nos 80 - e até chegar ao contrato com a gravadora CBS, em menos de dois anos o Soda estava construindo sua história de forma um pouquinho acelerada, e ao chegarem no momento de lançarem o primeiro LP onde mostraram que vieram pra ficar, o longo caminho pra conquistar o mundo foi tímido, e de imediato, temas como Dietético, Un Mísil en Mi Placard, Mi Novia Tiene Biceps e Ni Un Segundo mais os principais hits Sobredosis de TV e em especial Trátame Suavemente deram ao público um som jovem, moderno, agitante e cheio de frescores. A estreia com o disco homônimo em 1984 era só o começo, dali em diante era ladeira acima pra valer, com idas a progrmas de auditório e divulgação tímida em países vizinhos. Logo em 1985, o sucesso do Rock in Rio no Brasil ajudou a abrir portas para shows internacionais inclusive na América do Sul inteira no momento de abertura política e redemocratização, e os argentinos estavam recebendo de vez os gringos depois do clima marcado pelas sequelas da guerra das Malvinas. E no mesmo 1985 o Soda seguia a investir no sucesso graças ao segundo trabalho, Nada Personal na qual o grande hit Cuando Pase el Temblor levou a banda a fazer shows no Peru, Colômbia e Chile, e isso fez com que os executivos da CBS fixassem os olhos para o grupo como se soubessem que eles poderiam ser o maior fenômeno do pop rock hispânico do momento e de todos os tempos. Tudo parecia ser muito bem escrito reto em linhas tortas, o destino seria favorável ao grupo, durante o ano de 1986, durante a divulgação e a tour de Nada Personal, a banda teve sérios problemas com drogas em especial cocaína a ponto de Gustavo Cerati morar durante um tempo com sua mãe no apartamento após ter tido um ataque de pânico e ficar no hospital a ponto de ter quase morrido, e o próximo disco traria muito da consequência dos efeitos da droga, o desafio era grande, depois de dois excelentes discos, será que o terceiro seria um sucessor de peso? Enfurnados nos estúdios Moebio na capital argentina
 onde haviam gravado Nada Personal anteriormente e assumido a produção, o trio segue o mesmo esquema de mesmo estúdio e tomarem conta da produção novamente pois sabiam o que estavam a oferecer para o público - Gustavo tocaria além das guitarras, violões, uma máquina de ritmos eletrônica, assim como Alberti enquanto Zeta seguia com seu baixo apenas. Com o melhor time de músicos que vão desde Richard Coleman na guitarra rítmica, Fabián Von Quintiero nos teclados, Celsa Mel Gowland nos vocais e um naipe de metais formado por Pablo Rodríguez e Sebastián Schon nos saxofones alto e tenor, Diego Urcola no trompete e Marcelo Ferreyra no trombone, o Soda em estúdio estava nas melhores companhias. E isso era apenas o começo.
Sob o nome autêntico de Signos, o disco foi lançado no meio de novembro de 1986 superando todas as expectativas dos fãs em respeito à estética poético-sonora que o Soda vinha propondo nos dois discos anteriores. Com uma capa brilhante, um projeto gráfico do sempre presente parceiro Alfredo Lois junto de Caito Lorenzo, o visual era diferente, curioso, um pouco minimalista na capa com fotos internas de Claudio Fayngolz - de cara, não importava o visual gráfico, se era Soda, sabia de cara que era uma obra de arte desde as canções até a capa. A primeira faixa do disco já é um aviso do que vem pela frente, de um tímido piano até a explosão com bateria e metais, Sin Sobresaltos traz a narrativa de quem viveu os dias de medo e pesadelos da Guerra das Malvinas e do impacto que ela causou dentro dos campos sociais da Argentina até o momento da música (1986), aborda os vícios, o desejo de ser famoso, as falsas notícias a respeito da guerra - tudo isso numa salada poética vindo da mente de Bosio e Cerati, o arranjo é um rock bem a cara dos 80, os sintetizadores e o baixo se destacam muito pela sua combinação de melodias, e a bateria tem muito mais força na escuta, o que é bom; a seguir, o repertório oferece um ar bem darkwave pra próxima canção, uma balada menos densa, El Rito parece ambientar a narrativa de uma pessoa que vive as loucuras de quem usa cocaína e percebe que uma hora o preço há de ser cobrado, além da levada próxima de uma balada, os vocais de Celsa Mel Gowland dão um toque mais cristalino enquanto Cerati mostra que não erra como cantor, compositor e guitarrista - o que deve ser a prova cabal de que haviam mágicos reais entre nós; dentre todos os hits deste álbum, um deles traz a atmosfera sonora pop da época, Prófugos soa como uma canção falando de um amor impossível de esconder e demonstram-se como fugitivos de algo que os coloquem em perigo, o arranjo traz essa pegada mais próxima de um funk bem grooveado lembrando até temas mais próximos de Duran Duran e até de Prince, a modernização da onda disco dos 70 marcada pelo solo sequenciado de sintetizador imitando baixo; adiante, o Soda consegue entregar qualidade e beleza num disco, e quando escutamos a próxima faixa intitulada No Existes, onde há ao mesmo tempo uma interpretação de uma relação amorosa cheia de inseguranças, usa também a metáfora para falar sobre substâncias ilícitas e seus círculos viciosos, marcada por uma introdução que soa pós-punk e rock gótico - Siouxsie & The Banshees, Bauhaus e The Cure em especial, e depois o ritmo acelera pra um pop nervoso em que a guitarra se destaca e consegue quebrar a sequência no final com um fuzz que atropela todo o caminho da canção; ainda temos outro grande tema de destaque que marcou pra sempre a história do rock em espanhol e da carreira da banda - Persiana Americana é uma das raras parcerias fora da bolha sodasteriana onde Gustavo se junta a um rapaz chamado Jorge Antonio Daffunchio descoberto em um programa de rádio que fez a canção baseada em um dos filmes do cineasta Brian De Palma, em especial, Dublê de Corpo, o Soda traz a história de um homem voyeur que observa discretamente de uma janela uma mulher de um apartamento em frente ao dele se despir de suas vestes, a pegada pós-punk marcada pela sequência rítmica da intro, o solo clássico de guitarra e a voz de Cerati aclamaram como um hit imortal; a música seguinte vai deixando de ser bem empolgante e acaba soando mais suave pelas melodias, En Camino traz a narrativa de alguém que só deseja estar num momento a dois com sua amada de forma mais íntima e casual, podemos escutar aqui o violão e a guitarra combinando melodias são o grande destaque instrumental dessa música que ainda conta com sons de órgão Hammond dos anos 60 e 70 trazendo a bagagem de influências dessa época na sonoridade da banda; continuando aqui, a banda mostra na faixa-título que não deixaram a peteca cair - em Signos, que busca tratar nos versos sobre significados cheios de mistérios, segredos, apelando para a atenção de forma meio confusa nos versos, destaque vai para o violão tocado por Cerati que faz o papel da guitarra elétrica nesta faixa, além do piano que soa quase como baseado por algum tema clássico; encerrando de vez este disco, o grupo nos traz de cara uma pedrada sonora das boas - Final Caja Negra é uma forte crítica semi-explícita sobre a ditadura militar e o período de terror, dando voz para que as pessoas clamem por justiça e contra a impunidade, a caixa-negra é usada metaforicamente como uma forma de ser aberta para mostrar a verdade escondida durante o período, o arranjo traz essa cara de new-wave muito frenético e solar pelos sons de teclados e guitarras como se trouxesse o novo amanhã.
Logo com o sucesso do álbum, o grupo inicia sua jornada pela consagração da Sodamanía - tal o fenômeno massivo gigantesco parecido com o de um grupo britânico 23 anos antes, mas que tomaria a América Latina de assalto da forma mais rápida possível, logo após tocarem no festival de música em Viña del Mar no Chile nos dias 11 e 12 de fevereiro de 1987, e em seguida partiriam rumo a México - onde se provou que o sucesso da banda ultrapassou fronteiras sendo uma das bandas argentinas mais queridas por lá, e também passando por Bolívia, Peru, Equador, Venezuela, Paraguai, Colômbia e Uruguai, ou seja: com Signos, o Soda dominou fazendo com que o rock cantado na língua de Cervantes dominasse de vez os países hispano-americanos. Era a hora e a vez do sucesso acontecer, tanto que foi o primeiro álbum de rock argentino a ser lançado em CD, embora fabricado na Áustria visto que não havia fábricas de CDs ainda na América do Sul, já eram visionários por isto. 1987 foi um ano gigantesco não apenas pela explosão continental da Sodamanía, mas também porque durante a tournée do disco, eles ainda registraram com maestria o primeiro trabalho ao vivo chamado Ruido Blanco, mas aí já é uma outra história. Com o tempo, o disco tornou-se influência para as bandas que surgiram já com o Soda em um salto no auge, ganhando posições respeitadas em listas como a da Rolling Stone argentina que a pôs em 25º lugar na lista dos 100 maiores álbuns do rock argentino, enquanto a revista especializada em rock latino Al Borde divulgou na icônica lista dos 250 melhores álbuns de rock iberoamericano que Signos estava na 40ª posição, e destacando a grande influência do trio no rock não só latino, mas provavelmente mundo afora.
Set do disco:
1 - Sin Sobresaltos (Gustavo Cerati/Zeta Bosio)
2 - El Rito (Gustavo Cerati)
3 - Prófugos (Gustavo Cerati/Charly Alberti)
4 - No Existes (Gustavo Cerati/Zeta Bosio)
5 - Persiana Americana (Gustavo Cerati/Jorge Antonio Daffunchio)
6 - En Camino (Gustavo Cerati/Isabel de Sebastián)
7 - Signos (Gustavo Cerati)
8 - Final Caja Negra (Gustavo Cerati/Zeta Bosio/Charly Alberti)

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