Clásicos de la Provincia - Carlos Vives (Sonolux/Philips/PolyGram Latino, 1993)

Sabe aqueles momentos da vida em que tudo parecia não acontecer como queria, mas espera o mundo dar voltas para que tudo aconteça de vez? Pois é, foi assim que a carreira de Carlos Vives, cantor colombiano, teve um impulso após uma longa parte do começo de sua carreira mais envolvido com o lado ator que foi de onde tudo começou: o jovem Carlos Alberto Vives Restrepo, nascido na cidade de Santa Marta, no departamento (estado) de Magdalena em 7 de agosto de 1961. Quando já adolescente, partiu para a capital Bogotá onde foi cursar Publicidade e torna-se especialista em produção de TV na Universidad Jorge Tadeo Lozano e logo iniciou sua carreira de ator onde seu primeimro papel foi na telenovnela Tiempo Sin Huella como o personagem Julián e com uma trajetória televisiva brilhante, lança em 1986 seu primeiro trabalho discográfico como cantor intitulado Por Fuera y Por Dentro recheado de baladas românticas, mas que assim como seus sucessores No Podrás Escapar de Mí (1987) cuja uma das faixas chega a contar com o italiano Eros Ramazotti, e Al Centro de la Ciudad (1988) não obtiveram o sucesso que precisava, já que Vives tinha uma carreira muito ligada à televisão como ator e ainda vivia um casamento com a atriz Margarita Rosa de Francisco (pra quem via SBT, basta lembrar da Gaivota da telenovela Café Com Aroma de Mulher exibida nos anos 2000) que durou até 1990. Após papeis destacáveis, repercussão incrível, eis que surge para Vives um papel diferentíssimo que ajudaria até na sua carreira musical: como ele ainda estava meio parado como cantor, viu na novela Escalona - que contava sobre a vida e a trajetória de sucesso do compositor Rafael Escalona, um dos brilhantes compositores do gênero vallenato, ritmo tropical muito popular da Colômbia muito ligado à região do Caribe Colombiano, em especial dos departamentos de La Guajira, Córdoba, Sucre, César, Atlántico, Bolívar e Magdalena onde Vives nasceu. Com a série, veio a oportunidade de Carlos poder aproximar-se de suas raízes, a começar pelo disco Escalona: Un Canto a La Vida no qual canta temas importantes da obra do compositor como El Testamento, La  Resentida, Jaime Molina e El Arco Iris, o disco ainda obteve uma continuação logo após o fim da série Escalona Volumen 2 no qual tem músicas como Casa en el Aire, Mala Suerte e General Dangond - a partir de então, Vives se aproxima das raízes colombianas em sua sonoridade e com a banda La Provincia, inicia uma nova jornada. O grupo, que conta com Egidio Cuadrado no acordeom, Herberth Cuadrado na caixa rítmica, John Jairo Lemus na conga, Wilson Viveros na percussão e Luis Angel Pastor no baixo ganharia um corpo de músicos maior ainda.
Vives estava começando a ter mais espaço na carreira de cantor, visto que o trabalho dele na atuação já havia sido consolidado, atuou ainda em 1992 na sua última telenovela La Mujer Doble, onde vivia um homem apaixonado por uma moça vítima de uma feitiçaria que a transformava em duas personalidades. Logo naquele 1993, ano em que a Colômbia viveria seus dias de terror marcados pela guerra do narcotráfico do qual um dos principais nomes era Pablo Escobar, que depois de ser quase um rei na cidade de Medellín, viria a falecer em 2 de dezembro daquele ano, fazendo com que começasse o declínio dos cartéis de drogas no país. O rock colombiano estava sendo notado no cenário latino, a banda Aterciopelados havia lançado Con el Corazón en la Mano, depois que uma das faixas Mujer Gala, lançada como uma demo, tivera feito sucesso nas rádios do país e levando o conjunto liderado pelo casal Andrea Echeverri nos vocais e guitarra e Héctor Buitrago no baixo ao topo das bandas do momento do rock latino, junto dos mexicanos Café Tacvba, La Lupita, Maná e Caifanes, dos uruguaios El Cuarteto de Nos e Niquel, os argentinos Los Fabulosos Cadillacs, Los Pericos, Soda Stereo e figurões como Charly García, Andrés Calamaro (nessa época, residindo na Espanha e com o grupo Los Rodríguez) e Fito Páez. O próximo disco de Vives tinha tudo pra ser um estouro, porém, a gravadora Sony Music acabou dando um chega-pra-lá descrente que sem as novelas, ele não continuaria com um CD de sucesso, recusando de forma injusta. Enganados estavam os diretores da Sony, já que o material de nome Clásicos de La Provincia gravado naquele período de 1992 e 1993 envolvia o cancioneiro regional colombiano com toques pop - o produtor Eduardo de Narváez junto de Vives foram para dois estúdios de Bogotá, o lendário Audiovisión e o El Estudio e depois foram para Winter Park na Florida, onde fizeram mais algumas gravações adicionais e mixagem em Winter Park  no Platinum Post Studios e masterizado no estúdio Trutone em Hackenstack, no estado de New Jersey. A banda La Provincia esteve 100% presente neste material, novamente Egidio Cuadrado no acordeom, Herberth na caixa rítmica, Eder Polo na guacharaca, Ernesto Ocampo nas guitarras e violão, Anibal Rivera na guitarra, Antonio Arnedo na gaita e sax soprano, Bernardo Ossa nos teclados e percussão, Michel Egizi no piano, Gustavo Solano na bateria, Luis Angel "Papa" Pastor no baixo, Luis Pacheco na percussão, Alfredo Rosado na tambora dominicana, John Jairo Lemus nas congas, Germán Ricardo "Oui Oui" Hernández, Alexa Hernández e Amparo Sandino nos vocais de apoio. Os arranjos ficaram por conta de Ernesto Ocampo, Bernardo Ossa, Eduardo de Narvaez e do próprio Vives, a capa feita pela Graficompany traz um design maravilhoso com uma foto da silhueta de Vives em perfil segurando o violão num show e traz no encarte fotos dos bastidores das gravações.
O disco já abre de imediato com um clássico La Gota Fría fala sobre um duelo de acordeonistas em uma típica festa tradicional colombiana a ponto de entrarem em um forte litígio com seus devidos instrumentos até que um deles sente o suor frio - a tal mencionada "gota fria", essa canção composta em fins dos anos 1930 por Emiliano Zuleta, gravada na década de 1940 por Guillermo Buitrago e que graças a Vives teve um peso de hit maior 50 anos depois marcado pela forte presença rítmica mais o violão e o acordeon aqui, logo após Vives ter gravado, chamou a atenção de Julio Iglesias gravado também em versões "espanglês", português e francês; na sequência, outra redescoberta foi também essa faixa, Amor Sensible, escrita por Freddy Molina vai pelos caminhos de um amor incerto enaltecendo a beleza poética desse sentimento tão forte nos versos, a pegada de cumbia dá esse tom além da guitarra que faz essa coisa incrível; a próxima música conta com um tema mais triste do repertório, servindo como um destaque dentro do disco - Alicia Adorada trazia uma amargura pelo fato do eu-lírico sentiu a dura perda da amada que sempre será lembrada com tanta saudade, o ritmo marcante e a potência vocal de Vives ajudam bem no tom que se precisa pra canção; em seguida, o disco apresenta um tema que leva a beleza sonora colombiana de raiz pra destacar-se também que é La Hamaca Grande falando de um amigo que convida o seu compadre para ir a uma serenata na região dos vales com muita festa, é um vallenato bem no estilo dançante, com a percussão fazendo a diferença; dentre os temas que seguem a se destacar por aqui também, a faixa El Cantor de Fonseca busca narrar sobre um famoso cantor popular na região colombiana e suas histórias, a marcação rítmica e o baixo dão esse ar mais suingado que a canção precisava, sendo também um grande destaque; a seguir, o disco apresenta mais outro tema que leva o nome de um personagem desses que ficam no imaginário dos colombianos - Matilde Lina consegue ser tão perfeita em cada detalhe, a história de um cara que se encanta com uma mulher a ponto de sonhar com ela, a voz de Carlos soa superafinada aqui, nada mal, assim como o som do acordeom que fica perfeito de se ouvir; na sequência, o galã de novelas que também canta presenteia nossos ouvidos com outras pérolas, no caso de Altos del Rosario, canção que falava de um povo emocionado ao se despedir do eu-lírico que partia daquela região para viver em outro lugar, com uma pegada mais suave e com a presença de um sax soprano que brilha ao longo da canção; voltando pras canções mais embalantes, ainda temos uma pérola do compositor que Vives representou na televisão - Honda Herida, criação de Rafael Escalona, é a história de um amor não correspondido na qual se sente uma ferida por não conseguir se expressar além das escritas, a percussão faz uma boa cozinha rítmica e nos faz ter vontade de dançar loucamente de cara; e como se não bastasse, o homem sai lançando outras brabas ainda de forma incrível - La Cañaguatera é o drama de um homem que desesperado de paixão não sabe como fazer longe da pessoa amada que o esqueceu, e a pegada lembra muito salsa e chácháchá, mas é vallenato colombiano, apesar de sentirmos um quê de Caribe pela levada; o baile segue rendendo músicas de qualidade com as raízes colombianas sem perder o primor, e é isso que ouvimos em Lirio Rojo, uma canção com ritmo alegre e letra triste, aqui Vives lamenta a perda de uma flor lírio vermelha que se desmanchou com o calor do verão, vale prestar atenção e muito no suingue do violão chega a fazer também de marcação rítmica ao mesmo tempo; adiante, essa viagem pelo universo das raízes colombianas nos levam a um riquíssimo universo e La Tijera fala de uma situação em que o eu-lírico tenta evitar a raiva de uma mulher que só queria curtir uma festa sem a avó dela saber, e a "tijera" (tesoura) seria usada como alguma metáfora, a pegada de cumbia já garante um som excelente pra canção; assim como é de se esperar, nenhuma faixa ruim até agora, e Compa'e Chipuco que fala de um senhor que conta sobre sua vida e se descreve um "vallenato" de verdade, um nativo dos vales colombianos, não há muito a se descrever desse arranjo bem cheio de suingue à colombiana, apenas ouvir e sentir com amor essa canção; o ambiente festeiro e cheio de animação ainda consegue manter a vibe do disco quando escutamos a próxima faixa, Pedazo de Acordeón é uma dessas canções que seguem a arrepiar a alma, falando de um músico que em seu último pedido deseja que seu instrumento seja enterrado contigo num funeral pelo tanto que era apegado ao tal acordeom, e aqui a pegada mais nervosa e deixando uma sensação de que eles estão se apropriando de uma levada mais para a puya do que para o tradicional vallenato; o reprertório do disco ainda tem esse sabor único e incomparável - prova disso é La Celosa que é sobre uma mulher ciumenta que não pode ver o seu amado saindo na rua e indo para as festas sob o risco dele se envolver com outras, e o solo de acordeon mais as palmas soam perfeitas aqui; o encerramento do disco é uma curta faixa que não tem um minuto de duração - Contestación a La Brasilera traz na letra uma brincadeira com Rafa para que não se apaixone pelas mulheres de fora e fala sobre como uma mulher brasileira o enlouqueceu, e isso é uma brincadeira de Armando Zabaleta para o amigo Escalona cantada acapella por Vives que fecha com chave de ouro.
A carreira de Vives com o lançamento desse disco ganharia um novo sentido de vez, enterrando aos poucos o lado galã televisivo e se transformando no principal nome colombiano a dominar o pop latino antes de Shakira, J Balvin, Karol G, Charlie Zaa, Juanes e Maluma com suas raízes fincadas na música regional e dando ares mais modernos, aproximando a tradição com a modernidade de forma que faria David Byrne ou Paul Simon ficarem loucos de jeito - devido ao fato de na época eles redescobrirem o que era visto como música de terceiro mundo. Foi logo após o lançamento que Vives saiu em tournée pela América do Sul, Europa, Estados Unidos e ainda conseguiu a façanha de vender mais de um milhão de cópias após o lançamento. Vives ainda conseguiu uma divulgação mediana no Brasil, visto que La Gota Fría esteve na trilha sonora da telenovela global Tropicaliente. Com o sucesso deste disco, as incertezas: será que estava pronto para um próximo disco? Em 1995, volta aos estúdios e lança neste mesmo ano o sucessor La Tierra del Olvido, mas aí já é uma outra história. Com o tempo, o público foi dando o devido valor e culto ao álbum de Vives como um divisor de águas na música do seu país, vêm sendo destacado em diversas listas quando o assunto é melhores álbuns de música colombiana, quase sempre destacando-se no topo e provando que o tempo foi justo para quem apenas era visto como somente um rostinho da televisão.
Set do disco:
1 - La Gota Fría (Emiliano Zuleta)
2 - Amor Sensible (Fredy Molina)
3 - Alicia Adorada (Juan Polo Valencia)
4 - La Hamaca Grande (Adolfo Pacheco)
5 - El Cantor de Fonseca (Carlos Huertas)
6 - Matilde Lina (Leandro Díaz)
7 - Altos del Rosario (Alejo Durán)
8 - Honda Herida (Rafael Escalona)
9 -  La Cañaguatera (Isaac Carillo)
10 - Lirio Rojo (Calixto Ochoa)
11 - La Tijera (Luis Enrique Martínez)
12 - Compa'e Chipuco (Chema Gómez)
13 - Pedazo de Acordeón (Alejo Durán)
14 - La Celosa (Sergio Moya Molina)
15 - Contestación a La Brasilera (Armando Zabaleta) - vinheta

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