El Amor Después del Amor - Fito Páez (WEA/Warner Music, 1992)

Levar a sua música para os quatro cantos do mundo não é uma missão, digamos, extremamente difícil, já que o argentino Fito Páez estava começando a se firmar no início dos anos 1990 como um dos mais importantes nomes do rock em espanhol - a Argentina já o aclamara de vez ainda nos anos 1980, quando, vindo de Rosario, órfão de mãe ainda pequeno, decidiu fazer sua trajetória ainda acompanhando um músico conterrâneo que também se consagrava dentro do país, Juan Carlos Baglietto, e em seguida, vivenciando o novo boom que o rock na terra de Maradona estava vivenciando a partir da Guerra das Malvinas - com a proibição de qualquer música cantada em inglês e de coisas da Inglaterra, os militares estavam tão sedentos de vingança que esqueceram que ainda estavam perseguindo qualquer pessoa que posicionasse oposição à ditadura - já que durante 1976 e 1981, muitas pessoas foram mortas e desaparecidas durante esse período sombrio e amargo. O momento era das gravadoras contratarem bandas e artistas novos que respiravam ao que a juventude queria ouvir, e Fito chegou em boa hora nas terras de Buenos Aires - bandas novas como Virus, Los Violadores, Soda Stereo, Los Twist, Suéter e até Sumo liderada por um italiano que foi criado e educado na Escócia chamado Luca Prodan, estavam começando a agitar o cenário roqueiro dentro do país junto de figuras já aclamadas como Luis Alberto Spinetta, Pappo - que estava à frente da banda de metal Riff naqueles inícios dos 80, León Gieco e Charly García: este último, com quem Fito veio a fazer parte da banda que acompanhava o gênio do bigode bicolor definitivamente em carreira solo e lançando Clics Modernos em novembro de 1983 já com a ditadura implodida. Logo em 1984, ainda excursionando com Charly, fecha um contrato com a gravadora EMI e Páez lança sua estreia solo pelo álbum Del '63 onde apresentou temas como Tres Agujas, La Rumba del Piano e Sable Chino e começando a fazer seus shows como solista inclusive. Em 1985, após meses no estúdio Moebio na capital argentina, produz Giros e dali Páez se torna um dos maiores nomes do rock de vez ao lançar temas como Cable a Tierra, Yo Vengo a Ofrecer Mi Corazón e a balada soft-rock 11 Y 6 que foi sucesso imediato nas rádios, porém, com os louros colhidos do sucesso, veio a morte de seu pai durante o sucesso do segundo disco e uma tragédia familiar em Rosario em que assassinaram suas avós enquanto Fito estava de passagem pelo Rio de Janeiro onde encontrou-se com Caetano Veloso, uma de suas maiores influências musicais e referência na obra - gravando uma versão de La Rumba del Piano à época. Depois do susto, se refugia e volta com sede de vingança através de Ciudad de Pobres Corazones, outro trabalho de enorme valor, e que apresentou além da faixa-título, temas como Gente Sin Swing, Ámbar Violeta e também Track Track - um dos temas mais pedidos em seus shows. 
O final dos anos 80 para Fito foi um pouco amargo demais, já que logo após lançar Ey! (1988), o seu contrato com a EMI havia acabado e parecia que Fito não estava mais afim de seguir na Argentina visto que 1989 foi o ano em que Carlos Menem se elegera presidente argentino, e com isso, o país iniciaria uma nova fase que não seria muito bem lembrada por muitos já que foi aí que a economia foi ladeira abaixo. Com o fim de sua passagem pela EMI, era hora de achar uma nova gravadora, e assinou em 1990 com a Warner Music, cujo núcleo latino era presidido pelo sírio-franco-brasileiro André Midani e que decidiu montar o elenco de peso trazendo artistas de diversos cantos da América - do México veio o Café Tacvba e o Maná, bandas diferentes com discos e temas que marcariam a década, ao mesmo tempo os espanhois Héroes del Silencio também entrariam no bailado, e outros tantos foram se somando. Fito gravara Tercer Mundo, sua estreia na Warner, onde fazia uma crônica do que vivenciou em suas andanças na América Latina e levando suas críticas à política de Menem no governo, apesar de ter sido também o início de sua volta por cima, já que teve também momentos onde brincava com os excessos de um astro do rock, mas também sobre fim de namoros - duas canções em específico abordavam o fim de seu relacionamento com a cantora Fabiana Cantilo, com quem tinha um relacionamento desde 1983: Fue Amor e a brilhante Y Dale Alegría a Mi Corazón na qual participou dois gigantes do rock argentino nos vocais, Spinetta e David Lebón. O disco estava pronto quando ele planejou mudar-se para a Espanha, porém, mudança de planos - precisava retornar à Argentina e começar a divulgar seu trabalho, enfim, o músico se acertava com o país mesmo com o caos econômico. Foi durante suas andanças pelas terras de Cervantes que o jovem Fito, no auge dos seus 27 para 28 anos teria conhecido aquela que seria mais uma de suas musas com quem construiria uma história de amor incrível - no verão de 1991, Fito decidiu passar uns dias em Punta del Este, paraíso uruguaio, e durante uma festa de Carnaval, trocou olhares com uma moça, loira de olhos claros - era a atriz Cecilia Roth - anfitrião do evento, que na época casada com o ator Gonzalo Gil e radicada também na Espanha onde sua rotina envolvia as produções cinematográficas de Pedro Almodóvar. Apesar de ela ainda estar casada, decidiu largar o então companheiro e iniciar um romance com o músico de Rosario, que iniciando o novo namoro, decidiu buscar inspiração e fazer seu próximo trabalho. E foi justamente com o paraíso marítimo uruguaio de José Ignacio onde conheceu sua mais nova musa e servindo de localidade para a realização das demos de seu próximo trabalho ao lado do tecladista e produtor Tweety González com Cecilia acompanhando tudo de perto e as gravações foram realizadas em Buenos Aires nos lendários estúdios ION, em Madrid no estúdio Cinearte e em Londres nos lendários estúdios Abbey Road por onde já passaram Beatles, Pink Floyd, Deep Purple, Duran Duran e até Roberto Carlos já deixaram seus registros feitos por lá. A produção ficou por conta do próprio Fito e Tweety mais o empresário Ale Avalis e Carlos Narea - oito mãos responsáveis pelo disco, onde Páez além de cantar toca piano, guitarra, violão e teclados, é acompanhado por Tweety nos órgãos e programação, Ulises Butrón na guitarra, Guillermo Vadalá no baixo e Daniel Colombres na bateria - a base principal das músicas. A orquestração ficou por conta de Carlos Villavicencio que entregou os arranjos de cordas e metais para The Gavin Wright's Orchestra de Londres em algumas das faixas. O disco, lançado em julho de 1992 saiu pela WEA como o antecessor, sob o nome El Amor Después del Amor, o álbum tornou-se de imediato o gigantesco sucesso de sua carreira e o auge da criatividade na sua obra a ponto de ter reunido o puro luxo de convidados especiais que iam desde seus ídolos Spinetta e Charly a amigos como Andrés Calamaro, a própria ex Fabiana, Antonio Carmona do grupo Ketama, Gustavo Cerati do Soda Stereo e a própria Mercedes Sosa - é o time de milhões! A capa do disco estampa Fito em um fundo amarelo alaranjado com pedras à frente de seu rosto com a longa cabeleira, o projeto gráfico foi de Sergio Pérez Fernández e as fotografias são de Eduardo Martí, que trabalhou em seus diversos materiais.
O álbum já começa com uma marcação rítmica por meio de chimbais (pratos) da bateria na faixa El Amor Después del Amor era uma forma de expressar sobre o que estava sentindo ao se apaixonar por Cecilia, ou seja - uma nova paixão depois de outra, além da pegada bem pop pelo ritmo com uma forte presença de metais além do vocal rascante de Claudia Puyo funcionando no tema; na sequência, vamos ao tema que dá essa pegada mais adrenalina pelo ritmo contagiante, Dos Días en la Vida entrega qualidade logo pela narrativa que traz uma citação honrosa ao filme Thelma & Louise (1991) envolvendo crimes passionais e loucas aventuras, e tendo como participação especial as vozes femininas do rock argentino Fabiana Cantilo e Celeste Carballo, além de um piano arrebatator e uma bateria marcante seguindo por sons de veículos; adiante, o LP conta de imediato com outro tema que nos encanta logo pelos versos iniciais e por sua beleza sonora, La Verónica mergulha poeticamente pela visão de Fito sobre uma atriz que estava fazendo o filme de Santa Verônica, a mulher que ofereceu um véu para Cristo limpar seu rosto
, o destaque do instrumental fica todo para a bassline monstruosa de Vadalá que é um luxo só de ouvir; a próxima música mergulha muito numa profundidade poético-sonora e que consegue ser um destaque no repertório do disco - Tráfico por Katmandú é um petardo onde Fito consegue se expor seus dilemas pessoais e seu ponto de vista da sociedade - como sobre jovens que morrem de HIV sem o consumo do AZT, com um forte arranjo de metais à inglesa (nada que lembre muito o jeito americano estilo James Brown/Motown) além da guitarra e da bateria arrasando no som; adiante, a sutileza e o perfeccionismo seguem a reinar muito quando se trata em poesia e melodia, e Páez sabe muito bem disso - a prova viva está na próxima faixa, Pétalo de Sal uma espécie de ode aos amores e desamores, toma de assalto nossos ouvidos quando somos surprendidos pelo piano acompanhado pela guitarra mágica de Spinetta e a orquestra de cordas desfilando belas harmonias - é pedir demais? Na póxima canção, ele ainda capricha bonitinho até em cada detalhe dos arranjos da cinematográfica Sasha, Sissí y El Círculo de Baba descreve um amor intenso, proibido e um crime que acaba terminando de forma trágica com um dos dois, além da guitarra que soa perfeita, temos o sax de Daniel Melingo com a sequência de cordas que dá um tom mais dramático pra canção no final; se destacando assim como o restante do disco em todo disco, a próxima canção é o que podemos chamar aqui literalmente de hino no disco - a balada orquestrada Un Vestido y Un Amor foi uma das primeiras criações logo após o início do romance com Cecilia - um encontro inesperado de duas pessoas que acabaram se vendo e caíram no encanto da paixão, aqui com Fito ao piano e sob um luxuoso acompanhamento orquestral que dá essa leveza primorosa no instrumental - e depois regravada por nomes que vão desde Mercedes Sosa, Ana Belén e a sublime versão de Caetano Veloso.
O disco ainda continua a nos proporcionar hits e um desses carrega um tom sombrio pela sua entrada, a intensa e vibrante Tumbas de la Gloria é uma daquelas canções que carregam um real peso de sucesso dentro do disco, com uma narrativa autobiográfica como se lembrasse a sua infância e os traumas carregados pelas mortes de seus familiares, mas também pedindo ao seu amor que não o deixasse cair numa espécie de precipício, mas no final - seguido de sons de teclados e harpas - além de um sample de gravação de guitarra de Gustavo Cerati trazida por Tweety nas gravações, parecem frases inaudíveis, mas se usarmos a tecnologia, podemos ouvir logo ele citar os nomes "Sid Vicious, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Ramsés, Hervé Guibert*, Rainer Fasbinder**, Charlie Parker, Luca Prodan, Bill Evans, Keith Moon, Ray Heredia***, Brian Jones, Janis Joplin, Elvis Presley, Marilyn Monroe" como se reverenciasse os ídolos eternos; em seguida, o que tava bom fica muito melhor ainda, como um tema bem no melhor estilo rock and roll que dá o tom, La Rueda Mágica fala dos sonhos e loucuras de um jovem que vive a sonhar em ser um astro do rock que se foi de casa a arriscar pelo sonho, e nesta faixa temos Charly García cantando assim como Andrés Calamaro - à época, morando na Espanha com o grupo Los Rodríguez - dando canja juntos num tema com uma pegada meio soft-rock devido a levada do violão e a guitarra que lembra em algum momento Stones ou uma rock ballad mais rapidinha da época; seguindo a análise dessa obra-prima do pop, o disco ainda nos oferece Creo trazia ali dentro dos versos suas incertezas sobre sua relação intensa com Cantilo, com quem estava em seu término ainda, e muito marcado pela batida de R&B, ainda carrega a presença de órgão, orquestra e de um coral (não sei se é coral mesmo ou programado em synths) que dá esse tom pra música; em seguida, o disco constrói uma ponte entre a raiz e a modernidade, o clássico e o contemporâneo e claro que estou justamente falando de Detrás del Muro de Los Lamentos traz dentro da sua poética a explosão de sentimentos de um amor e do que é amar depois de um fim de outro romance, destaque para a pegada de folclore argentino misturada com sons caribenhos traz um belo acompanhamento vocal, pois Fito têm aqui cantando junto dele a suprema diva da canção hispanoamericana Mercedes Sosa com uma canção que tem até elementos de música flamenca pela marcação rítmica; a próxima canção deste disco traz um tema mais voltado para a estética dark, sombria - seja pelo arranjo ou pelos versos, Balada de Donna Helena e carregava também uma narrativa cinematográfica, um eu-lírico ao volante no carro chateado com a mesma música no rádio e uma mulher que sempre está na estrada e que carrega o mistério de desaparecer com pessoas no caminho, com um arranjo soturno que ganha uma atmosfera bem mais vibrante no meio da canção com a presença de cordas e a mudança de tom de voz ao cantar; mais adiante, o gênio rosarino (quem é nascido na cidade argentina de Rosario) em temas que mantêm sua aura, Brillante Sobre el Mic fala ainda carrega uma ode à Cantilo e sobre os momentos vividos com ela, visto que nessa doce balada ela participa nos vocais e o piano marca a sonoridade aqui; o disco encerra por completo com um tema bem pra cima e no melhor estilo rocker e falo de A Rodar Mi Vida é sobre a euforia de quem sobrevive ao amor nos seus começos e vê tudo a florir, e agradece a todos dizendo até amanhã, além do rockão marcado pela forte presença de metais, e a forma de como se encerra o disco de vez com aplausos como se fosse o final de um espetáculo.
Logo com o lançamento gigantesco do disco, se esperava uma repercussão mais do mesmo, porém, o mundo acabou dando voltas maiores que anteriormente, e saía de vez as canções que davam ares sombrios para algo mais florido, inspirativo e solar. Com o álbum lançado em mais de 30 países, Fito pôde ter, enfim, a América Latina aos seus pés, vendendo na Argentina mais de 700 mil cópias e em geral provavelmente mais de 4 milhões de cópias mundialmente. Fito logo conquistava de vez o mundo sendo o artista argentino mais bem-sucedido do momento junto da banda Soda Stereo e Los Fabulosos Cadillacs, rodando o mundo com a tour La Rueda Mágica que passou inclusive pelo Brasil durante o verão de 1994 como headliner do M2000 Summer Concerts ao lado de bandas como Helmet, Mr. Big, Inner Circle e artistas brasileiros como Cidade Negra, Dr. Sin, Gabriel o Pensador, Raimundos e Chico Science & Nação Zumbi. Logo após o M2000 Summer Concerts, alguns meses adiantes, Fito iniciaria as gravações de seu sucessor, Circo Beat, lançado naquele 1994 - mas aí já é uma outra história. Fito segue a celebrar até hoje os louros colhidos do seu maior sucesso, não à toa que em 2012 fez um show tocando seu álbum ao vivo lançando em CD e em DVD pela Sony Music (Fito saiu da gravadora Warner em 2001), seu disco carrega o peso de estar em listas gigantescas como a dos 250 Melhores Álbuns de Rock Iberoamaricanos organizado pela revista Al Borde onde figura em seu 29º lugar, a revista Rolling Stone publicou na Argentina a lista dos 100 Maiores Discos de Rock Argentino no 13º lugar, destacando como um amor pode transformar a vida depois de outro de forma inspirativa.
Set do disco:
1 - El Amor Después del Amor (Fito Páez)
2 - Dos Días en la Vida (Fito Páez)
3 - La Verónica (Fito Páez)
4 - Tráfico por Katmandú (Fito Páez)
5 - Pétalo de Sal (Fito Páez)
6 - Sasha, Sissí y El Círculo de Baba (Fito Páez)
7 - Un Vestido y Un Amor (Fito Páez)
8 - Tumbas de la Gloria (Fito Páez)
9 - La Rueda Mágica (Fito Páez/Charly García)
10 - Creo (Fito Páez)
11 - Detrás del Muro de Los Lamentos (Fito Páez)
12 - Balada de Donna Helena (Fito Páez)
13 - Brillante Sobre el Mic (Fito Páez)
14 - A Rodar Mi Vida (Fito Páez)

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