Um disco indispensável: Future Nostalgia - Dua Lipa (Warner Records, 2020)

Nos últimos anos da década de 2010, não havia quem ficasse de fora do rolê do pop feminino dominado por Beyoncé, Adele, Miley, Katy, Rihanna, Taylor, e a década tinha novas divas como a ex-Nickelodeon star Ariana Grande, Cardi B, Tove Lo, Charli XCX, Meghan Trainor e também uma jovem inglesa chamada Dua Lipa. Nascida na cidade de Londres em 22 de agosto de 1995, filha de kosovares-albaneses que se refugiaram na capital britânica durante o pipocar da Guerra Civil Iugoslava nos anos 1990 - o nome Dua significa amor na lingugem albanesa, e desde pequena parecia que já tinha o dom da arte em si. Com o pai tendo uma experiência artística, pois havia integrado uma banda local chamada Oda, já podia imaginar que Dua tinha um futuro artístico em frente, sendo que via muito o pai cantar. Em 2008, com a eclosão da independência de Kosovo, voltam para a capital Pristina anos depois da Guerra Civil Iugoslava, porém, ela decide voltar para Londres e iniciar sua carreira artística aos 15 anos. Então, ela começou a realizar diversas covers e postar em um canal no YouTube a medida em que Justin Bieber saía da internet para se tornar o jovem fenômeno do pop, tornando-se um dos primeiros webstars a dominar o mundo como cantor de sucesso, e a década de 2010 iniciava com um salto para essa chamada geração Z - os adventos das redes sociais, a ascensão do Twitter e o popularesco Facebook, o nascimento do Instagram (rede de fotos que surgiu com filtros vintage), a queda lenta do Orkut - que no Brasil teve seu auge por anos. A mesma geração Z que tornou-se importante para que a música continuasse livremente compartilhada, desta vez por plataformas de streaming como Spotify, Deezer, Rdio (extinto em 2015), Napster (retomado depois que surgiu em fins dos 1990 como plataforma para compartilhar músicas e download grátis), Apple Music (diferente do iTunes, que é para baixar músicas com pagamento), facilitando mais a questão de música acessível com planos pagos para ouvir sem depender dos anúncios intercalando músicas. Trabalhou como modelo durante o período de 2011, fazia vídeos cantando, uma jornada simples e demorada que fez valer a pena, e logo de cara a sorte grande favoreceu-a. Em 2015 assina um contrato com a multinacional Warner Music e logo de cara ganharíamos uma nova artista pop - em agosto, seu nascimento como cantora: seu primeiro single foi New Love com produção de Emile Haynie e Andrew Wyatt, e dois meses depois surge Be The One, enquanto outras canções saíam em 2016, Lipa parecia estar ansiosa para lançar seu álbum de estreia cuja data seria para 30 de setembro, mas nós só viemos cohecer seu debut discográfico autointitulado em 2 de junho de 2017 (antes a data provisória fosse 10 de fevereiro) e com Dua Lipa nós descobrimos o hino empoderado New Rules - o hit daquele 2017, IDGAF e também Homesick na qual conta com Chris Martin, do conjunto Coldplay. Aliás, foi abrindo para tournées de Coldplay, Bruno Mars e Troye Sivan que muitos vieram a descobrir a talentosa e brilhante Dua Lipa, que enquanto promovia seu álbum de estreia como no Brasil (abrindo para o Coldplay e fazendo show solo em São Paulo) ainda sobrava tempo para fazer cover até de Beatles. 
Pois bem, 2018 e 2019 foram anos incansáveis, promovendo o álbum de estreia com uma edição mais completa, que continha até as suas participações com o DJ Calvin Harris (One Kiss), o grupo de kpop Blackpink (Kiss and Make Up), o rapper Sean Paul (No Lie) dentre outros, e já chamando a atenção da mídia pela voz, apresentações e presença de palco. Com o eclipse da década de 2010, a britânica de origem kosovo-albanesa preparava mais outro álbum marcante, diferente do primeiro, ela decidiu se livrar dos pesadelos e traumas que giram em torno da criação do famigerado segundo material discográfico. Com um bom time de produtores, dentre eles Andrew Watt, Jeff Bhasker, Jason Evigan, Ian Kirkpatrick, o coleivo The Monsters & Strangerz e Stuart Price - responsável por trazer o astral pop dançante dos anos 70/80 à Confessions on Dance Floor, da Madonna. Sim, o álbum tem como conceito sonoro principal trazer o primor pop dos anos 80 e seu título é Future Nostalgia - na capa, ela está a dirigir um veículo - seria um carro antigo? ou um disco voador? E atrás de Lipa, está a Lua brilhando azulada, retratada por Hugo Comte, que ajudou no conceito visual do álbum - que evoca (sonoramente) Madonna, Gwen Stefani, Prince, Jamiroquai, OutKast, No Doubt, Kylie Minogue e, se parar pra pensar - um quê de Giorgio Moroder, ABBA, Zapp entre outros. Enfim, uma salada que une eurodance, disco, synthpop, funk e tudo que remete ao pop old school. Começamos bem o álbum com um sussurro cheio de efeitos falando "future" e levadas de sintetizadores mandam ver Future Nostalgia, uma canção que traz nos versos um quê de feminismo e autorreflexão, e provocando um alguém em versos que "Eu sei que você está morrendo tentando me descobrir, meu nome está na ponta de sua língua continuando correr por sua boca" e admitindo num outro verso que não pode ser uma Rolling Stone mesmo que viva em uma casa de vidro - uma letra totalmente marcada por balanceios, clímax de eletro-funk que faz a massa dançar pra valer; a faixa seguinte é aquela que muitos veem como a que carrega o álbum nas costas - com toques de pop dos 2000 mas com aquelas referências top dos anos 1970/80,  a marcante Don't Start Now apareceu antes de terminar 2019, mas foi logo em 2020 que o mundo tomou conta deste hit - onde ela fala sobre um ex vê-la dançando com outro, com muito empoderamento nos versos e é um convite para a pista de dança com altos toques de cowbell (Tamborzim, tamborzim - dizia Manu Gavassi num Big Brother Brasil quando a música tocou numa festa temática) com referências que vão do dance-pop ao Eurodance e até mesmo ao techno dos 90; na sequência, vamos de Cool - que soa com ares de funk, com um quê bem de Prince, é o que nos oferece aqui ares de R&B nos remetendo até ao pop mais aproximado dos 2000, e sempre cheio de primor fala de uma sensação inicial de apaixonar-se, pintar um quadro romântico e mostrando uma energia jovem cheia de vulnerabilidade, um ponto positivo; adiante, outro tema que dá o gás do repertório deste álbum - Physical carrega um clima solar, influenciada por ambiente de power-pop, future-pop e mostra-se inspirada justamente em uma Physical entoada por Olivia Newton-John em 1981 e envolve a temática do empoderamento feminino sem dependerem de um homem para salvá-la e ainda falando sobre uma relação intensa e sensual, mais outro tema de grande destaque do álbum; a seguir, o álbum ainda apresenta mais uma faixa marcante do repertório que faz levantar poeira nas pistas de dança: Levitating é onde Dua fala de expor seus sentimentos por uma pessoa importante cheia de referências espaciais, as diversas citações a elementos sonoros dos 1980 e 1990, do dance, electro-disco, power funk, power pop como se fosse uma pegada futurística que embalasse a geração posterior, puramente cara de ficção científica agradando a gente de imediato; quando for escutar a faixa seguinte, sente o feeling, o toque, a magia do disco permanece em Pretty Please carrega no instrumental um groove dominante que não faz feio com ares de disco-pop e forte presença de sintetizadores e guitarras, a canção demonstra sobre Lipa tentando ser realmente tranquila durante o início de um namoro, mas vendo que não é típico dela, pois esta pede alívio do estresse de seu parceiro, que retarda isso - a pegada marcante e a presença de cowbell são o essencial da faixa, além da voz de Lipa bem afinada aqui; com um quê de vibrante e moderno, e sem fraquecer o astral do disco, Hallucinate descreve sobre o quão louco um amor pode capaz de fazer um sentimento, e carregando elementos de dance, house e electro-swing com um clima mais vibrante, que remete até ao fim dos 1990 e começo dos 2000 ao escutarmos com atenção; mais adiante, temos uma canção cheia de sofisticações, diferenciada de algumas, pela forma que sua introdução acaba marcando - Love Again tem aquele jeitão discothèque enraizado e uma orquestra de cordas que desfila belos acordes durante a música e carrega o sampler de trompete da gravação My Woman, de Al Bowlly em 1932, numa canção sobre um coração partido e crescimento pessoal, e essa levada mais clássica do pop dos anos 1970 funciona e muito assim como essa entrada orquestral de cordas, que não tira o primor; muito mais do que apensa uma obra de arte, este álbum conecta tudo o que há de mais retrô e pop, e Break My Heart é também de um primor ao escutar, a forma como ela fala sobre uma celebração da vulnerabilidade, questionando se um novo amor pode a deixar com o coração partido, e versos em comparação com as medidas de distanciamento social da COVID-19 em andamento, e assim como elevado ao status de hino com a levada disco-pop e funk carrega outra citação sonora, a guitarra de Need You Tonight (1987) do INXS, o que confirma a influência dos anos 80 fortemente presente no disco; em seguida, o repertório do disco ainda se fortalece com outro tema, este mais voltado ao R&B dos 2000, Good in Bed lembra até mesmo Lilly Allen, em uma letra que fala sobre o prazer e o sexo bom é a única coisa que mantêm as duas pessoas juntas; o encerramento do álbum já fica por conta de Boys Will Be Boys - um tema que flerta mais com o pop barroco e melódico, com um quê de disco e de gospel pela forte presença do coral - a letra fala sobre as dores do crescimento experimentado pelas mulheres que passam, visando pautas como violência masculina, abusos, masculinidade tóxica, padrões duplos e misoginia, uma canção totalmente empoderada e feminista que remete a New Rules (2017), com um final épico para este disco.
O disco estava todo pronto, a tournée que iria começar seguido do material também, mas... o coronavírus fez com que todos os compromissos fossem adiados, mesmo assim, ela decidiu lançar o álbum pelas plataformas, e com todas as medidas, era raro algumas lojas de música que ainda vendam mídia física terem dentre seus poucos títulos à venda Future Nostalgia, mesmo com a crescente do sucesso do disco nas paradas mundiais. Definindo melhor, é um disco que nasceu com a sensação de estarmos ouvindo um CD feito ainda entre 2005 e 2008 descoberto em algum MySpace da vida, enquanto a gente manda aquele scrap para ser notado por aquele amor platônico no Orkut ou no MSN Messenger jogando Ragnarok. Enfim, uma nostalgia que soa como uma coisa saudosista para o futuro com versos empoderados, românticos e que mostram o poder feminino tão resistente ao tempo.
Set do disco:
1 - Future Nostalgia (Dua Lipa/Clarence Coffee Jr./Jeff Bhasker)
2 - Don't Start Now (Dua Lipa/Caroline Ailin/Emily Warren/Ian Kirkpatrick)
3 - Cool (Dua Lipa/Camille Purcell/Tove Lo/Shakka Phillip/Ben Kohn/Tom Barnes/Pete Kelleher)
4 - Physical (Dua Lipa/Clarence Coffee Jr./Jason Evigan/Sarah Hudson)
5 - Levitating (Dua Lipa/Clarence Coffee Jr./Sarah Hudson/Stephen Kozmeniuk)
6 - Pretty Please (Dua Lipa/Caroline Ailin/Julia Michaels/Ian Kirkpatrick)
7 - Hallucinate (Dua Lipa/Samuel George Lewis/Sophie Frances Cooke)
8 - Love Again (Dua Lipa/Clarence Coffee Jr./Stephen Kozmeniuk/Chleece Grimes/Bing Crosby/Max Wartell/Irving Wallman)
9 - Break My Heart (Dua Lipa/Andrew Wotman/Al Tamposi/Stefan Johnson/Jordan K. Johnson/Andrew Farriss/Michael Hutchence)
10 - Good in Bed (Dua Lipa/Michael Shulz/Melanie Joy Fortana/Taylor Upsahl/David Biral/Denzell Baptiste)
11 - Boys Will Be Boys(Dua Lipa/Kennedi/Justin Tranter/Jason Evigan)

Comentários

Mais vistos no blog