Mariah Carey - Mariah Carey (Columbia Records, 1990)

Estamos no final dos anos 1980, a década dos computadores e marcados pelos embates de quem tinham os melhores aparelhos, Apple ou Microsoft. A emissora televisiva MTV se consagrava de vez como um canal que transmitia e compartilhava música durante 24 horas e através do Video Music Awards, consagrava os melhores videoclipes e artistas da década - a MTV só invadiria a América Latina em 1990 no Brasil e em 1993 no restante do território. A música ganhara novas facetas no pop e no rock: primeiro foi o new wave, depois foi o new romantic, o techno, a roupagem nova no R&B e disco sem todo aquele exagero dos anos 70 que mesmo assim consagrou diversos nomes, o goth rock - gótico, glam metal, e a crescente do hearland rock, além do underground alternativo ganhar peso e gerando as sementes do indie e do grunge, o nascer efervescente do hip-hop/rap que consolidou a poesia urbana dos guetos e movido a puro batidão. O mundo ficava mais antenado nas novidades: o telefone móvel portátil, logo o celular como nós conhecemos hojes, no início apenas para empresários e ambientes de trabalho, só ficando mais acessível em princípios dos 90. Os eletrodomésticos ganhavam certos ares futuristas assim como o computador, ainda vista como a "máquina do futuro", a televisão, a geladeira, os aparelhos de som que prometiam qualidades melhores para ouvirmos música seja pelo rádio - e o rádio na frequência modulada (FM) conquistava mais os jovens e também os adultos, alguns com nostalgia dos bons tempos, outros interessados em como era a diferença do AM pro FM. A década que começou com Cure, Madonna, a dupla Hall & Oates (que na verdade são dos anos 70 com sucessos consolidados entre 1980 e 1985), resssuscitou Michael Jackson artisticamente como artista solo vendendo milhões e se tornando o Rei do Pop, manteve figurões como Clapton, Elton John, David Bowie e Paul McCartney ativos e lançando trabalhos - alguns duvidosos de alguns artistas - e ainda reacendeu a chama dos dinossauros do rock como Pink Floyd, Santana e Aerosmith - este que começou a década em um ostracismo e foi ressuscitada a vanglória com uma ajuda do Run-DMC que os convidou para uma releitura de Walk This Way e logo em seguida, os discos do quinteto de Boston manteriam o conjunto ativos, cultuados por grupos da época como os Guns N' Roses, que tinham o prazer de terem sido influenciados por Perry, Tyler e cia. E o rock com bandas a nível de Van Halen - e sua glória em discos gravados ainda com David Lee Roth e depois com Sammy Haggar, Poison, Skid Row e Bon Jovi - alguns, embaixadores do movimento glam metal com seu visual ousado, enquanto grupos como Echo & The Bunnymen, The Smiths, Jesus and Mary Chain, The Mission ainda ambientavam uma Londres soturna e um pouco mais depressiva, o Police trazia um astral pop com um forte quê de reggae/ska - e ainda com o sucesso do europop do A-ha, e a farsa Milli Vanilli que quase engoliu o mercado em 1990, ano e década em que descobríamos uma voz precisa e maravilhosa. Quem ela seria? Uma jovem de 20 anos chamada Mariah Carey - nascida em 27 de março de 1970 filha de Alfred Roy Carey, um engenheiro aeronáutico e de Patricia Hickey, professora de técnica vocal e ela tinha somente 3 anos quando os pais se divorciaram, e, além de Mariah, o casal ainda teve Alisson Scott e Morgan - a primeira ficou com o pai enquanto Morgan e Mariah ficaram com a mãe. Desde pequena, ela já era apegada à música, colada ao rádio sob os cobertores, uma forma de encontrar a paz que buscava, e na escola - mais precisamente no ensino fundamental - ela já mostrava-se interessada em literatura, música e artes, porém, não demonstrava o interesse em outras pessoas. Após ganhar um belo de um dinheiro, Patricia conseguiu mudar de vida e conseguiu até uma condição de vida melhor, e isso ajudou muito com Mariah, que estudando no colégio de Harborfields na cidade de Greenlawn, em New York, já desenvolvia suas composições autorais e fugindo de um estilo muito particular da mãe, a ópera - gênero da qual Patricia era cantora ocasional.
Logo, deixa a casa da mãe onde vivia para realizar seu sonho na selva de pedra, este que também é o paraíso que abriga milhões de sonhos - sim, New York! A cidade que nunca pára literalmente, onde sonhos podem ser realizados, onde domina a economia e uma parte do mundo artístico, e levando consigo uma fita feita com alguns amigos que ajudaram muito no começo: os colegas Gavin Christopher e Ben Margulies mais ela gravaram no porão da loja do pai do primeiro, ainda antes de se mudar para NY, onde trabalhava como garçonete e dividia um apartamento único com quatro pessoas e saía em busca das melhores oportunidades possíveis e então foi correndo atrás como toda sonhadora, até que Brenda K. Starr deu a ela um convite para ser vocalista de apoio, e, ao mesmo tempo, dando um empurrãozinho na carreira dela com a fita, e foi por meio de Starr que ela conseguiu entrar em uma festa de gala onde estavam diversos poderosos da música que poderiam estar comemorando os sucessos de seus artistas, e, eis que surge a oportunidade de entregar sua fita para o diretor da Atlantic Records, Jerry L. Greenberg - porém, eis que Tommy Mottola com seu faro fino, chega e pega a fita daquela jovem na missão de ser artista. Vai para a sua limusine, ouve e se impressiona e teria pensado "ela é boa demais, quero trabalhar com ela agora!", mas, quando foi procurar a moça, ela saiu da festa antes. Agora era Mottola que estava em uma missão, ir atrás de Mariah, e conseguiu com a ajuda de Brenda - o convite feito a ela era para integrar a Columbia Records, gravadora na qual ele tinha assumido um cargo de executivo, e uma semana depois, ela foi encontrada por ambos para assinar um contrato... e ela topou! Com a presença da mãe, foi logo para assinar um contrato que mudaria a sua vida e com isso  Mottola achou a artista certa para rivalizar com Whitney Houston (então contratada da Arista Records), Janet Jackson - irmã do Rei do Pop e que estava na A&M Records, e, claro, a estrela maior do pop daquela época e de sempre, Madonna (estrela da Sire Records, selo da Warner) - enfim, a Columbia tinha uma nova diva para chamar de sua e justo emplacar de vez. De dezembro de 1988 até a conclusão do álbum parecia ser muito tempo, e, embora algumas canções já haviam sido desenvolvidas por ela e Margulies que tinham a ideia de bancarem toda a produção do álbum - ideia que a Columbia descartou, e logo foram escalados diversos produtores e compositores, como Lawrence Rhett, Narada Michael Walden, Ric Wake e Walter Afanasieff - seu futuro parceiro de projetos posteriores. Assim que as primeiras ideias foram desenvolvidas com Walden em NY, que descreveu-a como muito tímida, mas totalmente profissional para alguém da idade dela à época, e depois foram trabalhar em canções da fita demo no estúdio Tarpan em San Raphael, na Califórnia, e depois voltaram à NY onde gravaram em estúdios como Skyline e Cove City, com a presença de Margulies acrescentando ritmos em uma das faixas, tal como guitarra, baixo e bateria - com Walden ela decidiu trabalhar mais ainda na sonoridade, a ponto dela fazer uma cambalhota vocal - o que surgiu por acidente durante as gravações. O que surpreende também é o acompanhamento instrumental: ela não está somente acompanhada de Margulies na programação e ritmos, Walden na bateria, Afanasieff nos teclados e baixo, Rhett Lawrence nos teclados e Ric Wake na bateria em algumas faixas - nomes como o lendário Nile Rodgers do Chic (e produtor de Madonna, Bowie entre tantos) e Vernon Reid do conjunto Living Colour nas guitarras, Omar Hakim na bateria, Louis Biancinello nos teclados, baixo e programação de ritmos, Richard Tee no piano, Marcus Miller no baixo, David Williams e Michael Landau nas guitarras, e o Ensemble de Bill T. Scott nos vocais juntamente de Fonzie Thornton. Um super time escalado para ajudarem o álbum a ganhar melodia, cores e energia e das gravações até a masterização foi um longo caminho - bota longo nisso.
E foi em 12 de junho de 1990 que saiu pela Columbia o batismo de fogo em forma de disco, a estreia de Mariah: nasce uma estrela definitiva graças ao LP que não poderia levar outro nome a não ser Mariah Carey, ou seja, seu próprio nome. Na capa, mostrava ela ainda com uma carinha de adolescente, mas quem comprou o disco (seja em cassete, LP ou CD) e foi botar no aparelho de som, teve uma impressão diferente - com uma voz única e de timbres quase indescritíveis, ela vai com tudo e manda ver logo na faixa de abertura do álbum - Vision of Love, o hino que a apresenta como cantora e compositora ao lado de Margulies, foi uma das primeiras composições da dupla, e logo na introdução com cara de new-age, somos surpreendidos por um coral angelical que dá a deixa para MC e a bateria que soa como o bater de uma porta, balada de puro R&B e uma letra com a temática que seria muito presente em seu cancioneiro, ela fala da eterna gratidão não de ser uma amada, mas a Deus, agradecendo pelo sucesso - aqui o gospel bate muito forte nas referências poético-sonoras logo de cara; em seguida outro hit de peso, logo Theres Got to Be a Way onde ela começa falando de um homem de rua, uma vítima da sociedade que ninguém quer ver, e no refrão ela fala sobre achar um jeito de conectarmos e ajudarmos a mudar o mundo, com um toque bem dançante dos 80 marcada pela melodia de guitarra, a sequência rítmica, os sopros e os vocais; na sequência, ainda desfilando canções brilhantes neste CD, como I Don't Wanna Cry, uma balada trazendo um forte toque mais dark, numa canção onde o casal se senta pra tentar conversar, mas põem um fim no romance e o eu-lírico garante que não vai chorar, pois nada no mundo irá uni-los de volta - criação de Carey e Walden com a ajuda de Afanasieff nos teclados, programações e sintetizadores e Chris Camozzi nas guitarras e no violão que desfila pela canção; em diante, vamos seguindo o repertório com Someday, outro grande hit que ajudou muito no sucesso do álbum, com um astral mais dançante na pegada dos anos 80/90 de dance pop e na letra ela fala de deixar um cara que ela está perseguindo sabendo que algum dia ele irá arrepender de rejeitá-la e não valorizar a própria, a batida com o baixo e a guitarra dão esse estilo mais funky pra valer mesmo; voltando às baladas, ela ainda nos presenteia também com Vanishing, uma canção de peso forte pelos vocais e o piano numa canção onde ela fala da sensação de perder alguém, o afastamento de alguém que ela tanto ama - pode ser físico ou simplesmente emocional/pessoal, e apenas o piano que toma conta da canção na parte instrumental; e sem perder o rumo, ela ainda nos apresenta All in Your Mind, mais outra balada em que ela acerta em cheio na sua interpretação vocal sobre a gente sentir as emoções quando olhamos a uma pessoa numa sensação de desaparecer, mas que as sensações e emoções estão em nossa mente, e no final, Mariah manda seus falsetes estilo apito de chaleira, sua marca registrada; não deixando de falar também da canção seguinte, Alone In Love na qual narra sobre alguém que é levado pra longe numa escuridão e conclui que se sente solitária no amor, a batida marca muito na escuta, assim como a guitarra - novamente a fórmula poesia-melodia gerando bons frutos, inclusive no primeiro trabalho de MC; com um clima mais dance, a faixa You Need Me acaba sendo mais um outro acerto em cheio, na canção onde ela pede pra que seu amado volte atrás e sabendo que pode deixá-la, garante que ele precise muito dela, a vibe funky da música tem um fator interessante, uma vez que uma das guitarras aqui é tocada por Nile Rodgers do CHIC, o que dá um gosto mais preciso, mas sem fugir da essência sonora como de lei; ainda na melhor pegada pra ajudar no clima do álbum, uma guitarra chegando a imitar uma cítara indiana na entrada de Sent From Up Above, na qual ela já abre dizendo que deseja não viver sem outro amor, esse sentimento de viver um amor duradouro e o tanto de amor enviado de cima para ela, o astral dance pop carrega uma energia indecifrável que dá o tom preciso; ainda num astral bem pra cima e dançante, ela ainda emenda outra canção com a atmosfera dance 80/90 é Prisoner, onde nesse embalo vibrante ela se assume não estar mais se sentindo prisioneira do amor de alguém, onde ela ainda manda ver em alguns raps inseridos nos versos; encerrando este belíssimo trabalho dela ainda mostra-a pondo sua voz para Love Takes Time, um dos primeiros frutos da parceria com Afanasieff nos arranjos e ainda das parcerias com Margulies, uma autoconfissão de quem se sentiu ferido e insiste em não escapar da dor, pedindo para que não fique sozinha - com Walter tomando conta dos arranjos e dos instrumentos, aqui ganha um toque melódico puro que combina com a música, e os últimos acordes prenunciam que ainda pode vir muito mais.
O disco trouxe uma nova artista pra fazer história e que acabou sendo a grande surpresa de 1990 - talvez a artista que realmente marcou aquele ano embalado por lançamentos como Goo (Sonic Youth), Fear of a Black Nation (Public Enemy), World Clique (Dee-Lite), No Prayer For The Dying (Iron Maiden), Bossanova (Pixies) entre outros. Com a ajudinha de Mottola, obviamente, o álbum rodou o mundo através das faixas e conquistando fãs logo de cara. Uma de suas primeiras apresentações em público foi durante um playoff da NBA cantando a patriótica America The Beautiful e logo em programas como o de Arsenio Hall e o de Jay Leno, mas tournée mesmo somente três anos depois. Mesmo assim, este álbum ajudou a vender na época somente nove milhões de cópias - pouca coisa, pra quem já começou grande mesmo e já faturando dois Grammys logo de cara por Melhor Novo Artista e Melhor Performance Vocal Pop Feminina, e mesmo não feito tournées ainda, ela ainda apresentou para mostrar que seu talento valia mais do que os apenas dançarinos/dubladores do Milli Vanilli - que no mesmo 1990, foram descobertos após as acusações de fazerem atuação e não terem as vozes como nos áudios, logo Mariah devolveu qualquer acusação de não ser uma cantora de verdade nas (poucas) apresentações que fazia e também de ser vista como uma artista de estúdio. E 30 anos depois, este disco é somente mais uma prova de que grandes artistas podem começar de uma forma ou não, e que sonhos podem sim ser realizados da melhor forma possível - com uma mãozinha amiga.
Set do disco:
1 - Vision of Love (Mariah Carey/Ben Margulies)
2 - Theres Got to Be a Way (Mariah Carey/Narada Michael Walden)
3 - I Don't Wanna Cry (Mariah Carey/Ben Margulies)
4 - Someday (Mariah Carey/Ben Margulies)
5 - Vanishing (Mariah Carey/Ben Margulies)
6 - All in Your Mind (Mariah Carey/Ben Margulies)
7 - Alone In Love (Mariah Carey/Ben Margulies)
8 - You Need Me (Mariah Carey/Rhett Lawrence)
9 - Sent From Up Above (Mariah Carey/Rhett Lawrence)
10 - Prisoner (Mariah Carey/Ben Margulies)
11 -  Love Takes Time (Mariah Carey/Ben Margulies)

Comentários

  1. Resumo da história: Mariah Carey em seu primeiro álbum deu seu recado de que a sua música "não é para os mais fracos". Não faço parte do time, porém, sem ofensa, não curto muito esse estilo dela. Só isso.

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    1. Compreendo sua opinião, mas, há quem considere como o melhor trabalho de estreia da música pop de sempre.

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    2. É, chefe... Pensando por este lado, você está absolutamente certo.

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