Um disco indispensável: Cuando Los Ángeles Lloran - Maná (WEA Music, 1995)

Na primeira metade dos anos 90, poucos grupos mexicanos conseguiram causar tanto impacto pelo rock fora do país natal como no caso do Maná, que surgiu inicialmente ainda em meados dos anos 70 (como já foi dito em outra resenha de álbum deles) com um nome inglês chamado Green Hat Spies, uma espécie de "brincadeira" dos irmãos Calleros - Abraham na bateria, Ulises na guitarra e Juan no baixo, mais Gustavo Orozco na guitarra e um jovem chamado Fernando Olvera nos vocais - no início dos 1980, houve uma mudança de nome para Sombrero Verde e gravam dois álbuns até que, em 1984 Abraham Calleros deixa o conjunto e entra no seu lugar um jovem de 15 anos chamado Alex González, e Orozco também acana deixando o Sombrero Verde no meio deste bailado. A formação que durou ao longo de seis anos, sofreria uma grande mudança no seu nome, antes uma coisa mais mexicana, de Sombrero Verde para Maná - inspirado em um mantra religioso, e em 1987 assinam com a Polydor - um dos selos da PolyGram, e gravam em seguida seu primeiro álbum com o novo nome - uma estreia, digamos que mediana, mas já com alguma repercussão local no país. Apesar das poucas vendagens do álbum de estreia, Fher, Alex, Juan e Ulises seguem na estrada e não param de trabalhar com shows atrás de shows e a sorte surge de vez em 1989 quando o sírio André Midani - com larga experiência no meio fonográfico em países como França, México e especialmente no Brasil - assume o núcleo latino da WEA, um dos principais selos da Warner Music, e dentre os novos contratados o Maná faz parte. Nesse tempo, voltam aos estúdios e de lá ficam até o ano seguinte, no qual a banda termina seu segundo disco e o primeiro de onze álbuns lançados dentro da casa, com o nome de Falta Amor, é aí que temos o salto do grupo para o mainstream latino através de hits que conquistaram o público, em especial a salsa-rock Perdido en Un Barco, com os pés no Caribe (musicalmente) e a balada Rayando el Sol, que lembra as love songs do metal que faziam sucesso à época. E do nada se tornam populares na América Latina, sendo uma das bandas responsáveis pela expansão do cenário roqueiro no território hispano, uma vez que os argentinos do Soda Stereo e Enanitos Verdes já tinham conquistado o resto dos países, o México também exportaria seus grupos de rock, fora o Maná, havia também os Caifanes, Maldita Vecindad & Los Hijos del Patio e adiante o Café Tacvba e também o Molotov como as principais bandas mexicanas do cenário. Muito sucesso pra comemorar, e em 1991 é anunciado que Ulises deixa de ser o guitarrista e larga essa área para assumir o cargo de empresário - visto que daria muito certo para um Calleros, que permaneceria nos bastidores cuidando da carreira (enquanto o outro irmão manda ver no baixo) e acertando shows mundo afora. O álbum se tornou um êxito enorme, e com o grupo reformulado - além de César "Vampiro" López como guitarrista, agora eles contavam com um tecladista chamado Iván González  e, com esta formação, o conjunto prepara mais um álbum novo, de forte sucesso na América Latina (exceto no Brasil) em todo: lançado em outubro de 1992, o best seller ¿Dónde Jugarán Los Niños? virou um sucesso imediato, as canções Cachito, Oye Mi Amor, Te Lloré Un Río e também Vivir Sin Aire ajudaram o grupo a conquistar mais de 5 milhões de cópias com este álbum e, durante dois anos, saíram em tournée - mas, no meio do caminho, um baque forte mudaria novamente a história do conjunto. A saída de Vampiro e Iván pegou o restante de surpresa, pois haviam muitos concertos agendados, e para segurarem a barra, recrutaram o tecladista Juan Carlos Toribio - parceiro nos projetos musicais da banda, o guitarrista Gustavo Orozco - vindo dos tempos de Sombrero Verde, mais Sheila Ríos nos vocais de apoio e alguns instrumentos de percussão. Entre agosto e setembro de 1994, o conjunto - como um trio - viajou e captou registros de apresentações nos EUA (San Diego, Los Angeles e Chicago), Espanha (Barcelona), Chile (Santiago) e Argentina (Buenos Aires) e lançaram Maná En Vivo por volta de 13 de dezembro daquele ano como um presente de natal pelo sucesso e uma espécie de celebração aos 10 anos desta fase da banda que um dia chamou-se Sombrero Verde.
Com a entrada de Sergio Vallín como novo guitarrista, o Maná
seguia conquistando obstáculos maiores durante os anos 1990.
Em meio ao fim da tournée de ¿Dónde Jugarán Los Niños?, eles já estavam preparando mais outro trabalho que prometia ser um grande sucesso - e com um novo guitarrista, um jovem de 22 anos nascido na Cidade do México e criado em Aguascalientes, o rapaz se chamava Sergio Vallín Loera, tinha com seus irmãos Rocío e Fernando uma banda chamada Wando (não confunda este grupo obscuro mexicano com o eterno cantor e colecionador de calcinhas) e chegando a ganhar um festival local. Mas, como que Sergio entrou para o Maná, do qual faz parte até hoje? Tudo isto envolve um dia em que foi ao concerto do cantor romântico Luis Miguel - ele mesmo! - e conheceu o guitarrista Kiko Cibrián e a este músico lhes entregou uma fita demo, que parou nas mãos do produtor José "Pepe" Quintana e logo em seguida chegou às mãos de Fher, que gostou e logo convidou-o para ocupar o espaço deixado por Vampiro, e foi assim que Vallín entrou para o grupo definitivamente. Com isso, ele participa do processo de criação do quarto álbum de estúdio da banda, tendo Alex e Fher mais Quintana na produção, este seria um grande lançamento do pop rock latino daquele ano, com as gravações realizadas em fevereiro e março de 1995 em um estúdio chamado La Puerta Azul montado em Puerto Vallarta, cidade costeira mexicana, além de outro estúdio na mesma cidade montado no hotel Costa de Oro, porém, boa parte do material foi gravado em Hollywood no lendário Record Plant Studios - à esta altura, eles já tinham muita experiência de estrada e gravavam boa parte do seu material em território ianque, por terem um forte público latino no país berço do rock n' roll. Logo na primeira faixa, temos aqui o que raramente podemos ter de costume em um álbum do Maná, uma canção com Alex cantando a solo (volta-e-meia com Fher nos vocais) numa pegada que remete ao Police pela levada, e Como Un Perro Enloquecido já dá a deixa de que o álbum nos levará a uma viagem sonora marcante, iniciada por esta peça fundamental do quebra-cabeça na qual o baterista é quem manda, e já mostrando um belo trabalho de Vallín como guitarrista, sem deixar de destacar o forte baixo de Calleros, que soa influente do jazz, do blues, do funk e de diversos gêneros - a letra fala de alguém apaixonado, mas que se sente manipulado pela pessoa amada, pois sabe que está sendo traída por este/a companheir@ de relação, e o rock aqui já garante o álbum inteiro; na sequência, um rock com todo aquele toque latino que é a característica básica deles - e Selva Negra traz a questão da ecologia, das terras, do encontro de Fher com um formigueiro que pretende defender aquelas terras onde sempre habitou, a questão social também entra no bailado, aqui a banda faz o cruzado dos sons latinos marcados pela percussão de Luis Conte, músico quase sempre presente nos trabalhos da banda, destaco também sons que remetem à natureza presentes, e é uma daquelas canções que se destacam por aqui no repertório; em seguida, uma música mais adoçada, calcada no pop romântico com dose soft, a batida eletrônica e o violão que dá uma cara mais de balada latina é o que complementa Hundido en Un Rincón, que se converte em uma levada rock ballad aos 1:17, a voz de Fher sabe onde acertar em letras como esta e Vallín não decepciona como guitarrista, tanto na guitarra quanto no violão, ele dá o tom exato e a parte instrumental que encerra a canção é outro motivo para dar atenção à sonoridade desta; ainda com um bom motivo para compreender esse tempero mexicano mais doce é a faixa seguinte, um pouco pessoal e importante para Fher, pois na letra de El Reloj Cucú ele conta a história de como seu pai faleceu quando o vocalista tinha somente 7 anos, e como ele achou que havia desaparecido para sempre, e o arranjo dá um toque mais profundo sem fugir da essência, o violão e a percussão ajudam muito, mas o baixo de Juan não perde o momento de se destacar, Fher é um bom storyteller do rock hispânico e esta história autobiográfica é um tiro certeiro; seguindo a linhagem romântica das canções, a banda ainda deixa algumas marcas e Mis Ojos é uma daquelas que passam despercebidas, lembra um pouco as canções dos álbuns anteriores pelo arranjo, porém, há quem discorde do excesso de perfeccionismo que muito é notado por eles, na letra Fher agradece a Deus por cada parte do corpo, mas que não consegue enxergar a pessoa amada - o eu-lírico seria nada mais do que um deficiente visual, e aqui contamos com um solo de guitarra que lembra algo de pop psicodélico dos anos 60 inclusive; o peso sonoro que faz a diferença nas canções é a alquimia ideal para a próxima música, que conta sobre uma moça de 15 anos desesperada com o drama de ter sido abusada, e Ana é uma das personagens que estamos acostumados ao ver em notícias sobre casos que mais crescem ao longo dos anos, e a narrativa mostra a incompreensão dos pais sobre a insegurança de muitas jovens que não entendem o sofrimento delas - algo hoje mais explicável; logo adiante, temos aqui uma melodia de guitarra que imita cítara indiana e dá a deixa para Siembra el Amor, uma canção que nos ensina a semear o amor - algo que precisamos a compartilhar mais em tempos difíceis, e adverte que se formos semear o amor, devemos receber muito amor de volta, a famosa "lei do retorno", e a melodia dá um toque mais equilibrado com a mensagem propagada; e, a próxima música já nos remete ao título do álbum - Cuando Los Ángeles Lloran é nada mais que uma homenagem ao ecologista brasileiro Chico Mendes (1944-1988), assassinado brutalmente, e, por mais que tenha sido na época do presidente José Sarney, eles citam Collor de Mello na letra, e o arranjo traz um quê de Brasil na percussão pra fazer algo conectado ao samba, e a cuíca é o instrumento brasileiro que se destaca ao notarmos; em seguida, eles mandam barulheira cheia de astral e com uma forte influência do funk americano, pois Déjame Entrar é aquele acerto que a banda encontrou para esse disco ajudar a estourar - a guitarra delirante de Sergio, o baixo grooveado de Juan, a bateria arrasadora de Alex e a voz de Fher complementam a fórmula para esse hit ter dado muito certo no final; na música seguinte, ruídos de chuva e uma melodia de guitarra dão um tom mais suave e melódico, a história de No Ha Parado de Llover envolve sim chuva - e o arranjo desta música é uma das coisas mais bonitas do mundo, apenas ouçam (de preferência, em dias de chuva cantando "Sigue lloviendooooo") e apreciem, com moderação; ainda sobra tempo para eles mandarem mais pedradas, e Antifaz pode ser a prova final de Sergio como o novo guitarrista - ele passa! E tem mais, a música não decepciona a gente, com uma energia puramente rock and roll, faz muitos de nós comprovarem que eles são a maior banda do rock latino,  e Vallín é aprovado pela banda e pela gente em definitivo após ouvirmos a sua guitarra ter dado um show aqui; no encerramento desta belíssima obra-prima, temos um pouco de cada estilo: tex-mex, música nortenha mexicana e até mesmo salsa e rumba em El Borracho, de autoria de Alex e ainda cantada pelo próprio sobre a aventura de um eu-lírico em Vallarta que foi a beber tequila onde um mariachi não parava de tocar e fazendo a festa - uma letra bem no estilo mexicano ao que se pode notar.
Pois bem, a banda evoluiu muito nos seus 3 álbuns de estúdio e é bem notável essa forte mudança maior com as temáticas abordadas - o assassinato de um defensor da preservação da Amazônia, o abuso sofrido por uma jovem, e a luta pelas terras acabaram mostrando um forte posicionamento social da banda quanto aos assuntos. Logo após a feitura do disco, um dos últimos a saírem no formato vinil - um pouco desvalorizado com a ascensão do CD na época - eles saíram em mais outra tournée que foi se prolongando até 1997, fazendo a banda lotar quatro noites seguidas o Radio City Music Hall, casa de espetáculos em New York testemunha de grandes concertos históricos. Com o sucesso do álbum e a forte mensagem de ecologia deixada nas canções, eles ainda criam uma organização dedicada à preservação do meio-ambiente, a Fundación Selva Negra, logo durante as atividades de promoção. Em 1996 e 1997, retomam ao processo de composição que ajudaria o Maná a preparar um sucessor que mantivesse a sequência de hits, e com a inspiração voltada ao mar em Puerto Vallarta, onde tinham um estúdio, compuseram o material de Sueños Líquidos, mas aí já é uma outra história. 
Set do disco:
1 - Como Un Perro Enloquecido (Alex González)
2 - Selva Negra (Fher Olvera/Alex González)
3 - Hundido en Un Rincón (Fher Olvera)
4 - El Reloj Cucú (Fher Olvera)
5 - Mis Ojos (Fher Olvera)
6 - Ana (Fher Olvera)
7 - Siembra el Amor (Fher Olvera)
8 - Cuando Los Ángeles Lloran (Fher Olvera)
9 - Déjame Entrar (Fher Olvera)
10 - No Ha Parado de Llover (Fher Olvera/Alex González)
11 - Antifaz (Fher Olvera/Alex González)
12 - El Borracho (Fher Olvera/Alex González)

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