Um disco indispensável: Urubu - Antonio Carlos Jobim (Warner Bros Records/WEA Music, 1976)

O que André Midani, o ano de 1976 e Tom Jobim têm de envolvido nesse texto? Bom, lá vamos nós explicar tudo. Em 1976, era anunciado que André Midani voltou dos EUA com uma grande novidade e essa novidade seria a instalação da Warner Music no nosso país, uma vez que ele deixara o cargo de executivo da Phonogram, por onde ficou durante cinco anos administrando e fazendo dela a maior gravadora do Brasil, tendo um cast que deixou um gosto de inveja durante esses anos, trazendo nomes que fariam lucrar ainda mais, como o próprio Tom Jobim, que por lá gravou o disco Matita Perê em 1973 e brevemente dividiria um disco com Elis Regina no ano seguinte, que se resultou no disco Elis & Tom, um dos melhores momentos da carreira de ambos. Midani fundou a Warner depois de sair amargado com os executivos holandeses da casa, que estavam impressionados com a total independência e liberdade artística de vários músicos e cantores daqui. E de um simples encontro com Nesuhi Ertegun é que veio uma nova empreitada do sírio que cresceu na França e depois viria a fazer o Brasil se impressionar com a sua revolução no mercado fonográfico ao longo dos mais de quarenta anos dedicados ao comércio fonográfico. Nesuhi, que junto de seu irmão Ahmet, criaram em 1958 a Atlantic Records, que no início era só especialista em jazz, soul e blues e que depois se especializaria em bandas como Led Zeppelin, que foi uma das bandas que mais vendeu discos pelo selo, e a partir de um tempo depois, selos como a Elektra e a própria Atlantic se uniriam à Warner Bros, formando a sigla WEA Music que inaugurou por aqui em junho depois de algumas conversas e encontros amigáveis de Midani com Jack Holzman (Elektra), David Geffen (Asylum), Mo Ostin (Warner Bros. Records) e os próprios Ertegun (Atlantic) e que teve uma grande inauguração por aqui depois de um tempo com dois discos originalmente produzidos nos EUA e um destes discos, um era o Slaves Mass do "bruxo" Hermeto Pascoal e o outro era nada mais do que Urubu, do nosso eterno maestro Tom Jobim, abrindo com chave de ouro. Em Urubu, o disco trouxe um Tom mais apegado às raízes, ao Brasil, um Tom ecológico - com temas mais interpretados em português.
"Esse disco é tão ecológico, tão original e tão Brasil que até
pelo título 'Urubu' se nota muito a respeito disso"
O disco tendo a produção de Claus Ogerman, que também fez os arranjos, a orquestração e a regência do disco e retomando uma parceria junto de Tom, mostra em Urubu um som próprio e original cuja sonoridade nos remete às sinfonias de Heitor Villa-Lobos (1887-1959) ou também recordando as de Guerra-Peixe (1914-1993) provando um pouco mais de onde vem todo esse som brasileiro do Maestro, que é único, original e indescritível. Sucedido pelo brilhante Matita-Perê (1973) e por um disco-projeto feito ao lado da saudosa Pimentinha, Elis Regina: logo o clássico Elis & Tom (1974), considerado o melhor registro da carreira de ambos. Para este disco, Tom convocaria mais uma vez o lendário baixista Ron Carter, parceiro já de outros trabalhos anteriores, além de Ray Armando na percussão e João Palma na bateria fazendo uma cozinha sonora impressionante com Ogerman regendo uma orquestra. O disco abre com a faixa Boto, tendo um início marcado por um solo de berimbau no primeiro minuto até surgir a orquestra: uma canção de originalidade poética e que fala sobre a fauna e a flora brasileira e que carrega essa pegada ecológica nos versos ao falar sobre jerebas, jandaias, caranguejos, arraias e  tendo a presença de Miúcha nos vocais, a mesma com quem lançaria um projeto resultando-se em dois discos e shows com Toquinho e Vinícius de Moraes brevemente sendo sucesso grandioso também; em seguida temos Lígia, que fora apresentada antes por Chico Buarque em seu LP de interpretações Sinal Fechado (1974) e que aqui ganha aquele tom original de sempre, movimentado pelo som doce da orquestra e a voz de Tom falando sobre a moça e as "bobagens de amor" que ele iria dizer a moça dos olhos morenos, que metem mais medo do que um raio de sol cantados nessa belíssima canção; outra canção de versos originais presente neste disco é Correnteza, recheada de primor sonoro e poético e que já virou sucesso na voz de Djavan anos depois, se destacando na trilha sonora da novela O Rei do Gado (1996), mas na versão do Maestro se pode sentir a suavidade e a delicadeza nos arranjos e na voz, que nos faz se encantar à primeira escuta de vez; em seguida temos Angela, que se torna a última música deste disco com letra fechando o lado A do disco e a última com a presença de Palma, Carter e Ray fazendo um som junto de Tom aonde ele vê tristeza no rosto desta Angela, falando que "lá embaixo a Terra é um mapa que agora uma nuvem tapa" com um arranjo de orquestra  que reina soberanamente ao longo desta canção; e já partindo para o lado B do disco cheia de peças instrumentais, que começa com Saudade do Brasil, uma melodia profunda e triste e que traz influências claras de Villa-Lobos nesta suíte sonora, um grande destaque para a parte instrumental que complementa este repertório de Urubu desde já; na sequência há Valse, que é também conhecida como Paulinho, pelo fato desta valsa ser composta pelo filho do Maestro, ela traz aquele clima meio primoroso da música anterior, mas que não passa batido mesmo assim, parece que nos deixam um gostinho de "quero mais" durante a música; já a faixa seguinte, mostra o ponto alto do lado B do disco, logo em Arquitetura de Morar, feita sob encomenda para o docuemntário homônimo de Antônio Carlos da Fontoura sobre José Zanine Caldas (1919-2001) na qual há várias citações musicais, desde Villa-Lobos e Chico Buarque incluindo suas próprias obras ao longo da canção, soa mais precisamente como um medley ou uma mini-opereta ao decorrer dos mais de oito minutos de canção e isso é bem claro quando o assunto é Jobim instrumental-sinfônico; o encerramento fica por conta de O Homem, com apenas mais de dois minutos, soa como o epílogo deste manifesto ecológico do Maestro, o gran finale movido por acordes do terceiro movimento da peça Brasília - Sinfonia da Alvorada, composta anos anteriormente por Jobim e sendo uma peça ideal que fecha este quebra-cabeça chamada Urubu, um dos mais clássicos trabalhos de sua discografia.
Set do disco:
1 - Boto (Antonio Carlos Jobim/Jararaca)
2 - Lígia (Antonio Carlos Jobim)
3 - Correnteza (Antonio Carlos Jobim/Luiz Bonfá)
4 - Angela (Antonio Carlos Jobim)
5 - Saudade do Brasil (Antonio Carlos Jobim)
6 - Valse (Paulinho) (Paulo Jobim)
7 - Arquitetura de Morar (Antonio Carlos Jobim)
8 - O Homem (Antonio Carlos Jobim)

Comentários

  1. Esse disco é uma verdadeira obra de arte, bem como toda a trajetória do Tom. Com certeza, um disco indispensável!

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    1. Tom sabia fazer de cada álbum seu, cada música sua uma obra de arte! Que bom que tenha gostado da review!

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