ESPECIAL: Os primeiros anos da carreira de Chico Buarque (de Hollanda)
Chico é um poeta,
compositor, gênio, torcedor do Fluminense e herdeiro do legado musical tanto
dos sambas de Noel Rosa, Wilson Batista e também da bossa nova. O carioca, dono
dos mais belos olhos claros, chamado Francisco Buarque de Hollanda, nasceu em
19 de junho de 1944. Filho do escritor e sociólogo Sérgio Buarque de Hollanda e
da professora de piano Maria Amélia Cesário Alvim, cresceu entre RJ, SP e na
capital italiana Roma. Na adolescência, ainda morando em São Paulo,
descobriu-se especialista em poema, tal como um Fernando Pessoa ou um Vinícius
de Moraes. Despontando-se ainda e um amante da bossa nova, movimento do qual
tinha o “Poetinha”, mais o músico Antonio Carlos Jobim, o cantor e compositor
João Gilberto – de quem viria a ser brevemente seu cunhado, pois João se casou
com Miúcha (irmã de Chico) e desta união nasceu Bebel – e que, antes da sua
carreira acontecer definitivamente, ainda na grande metrópole, foi preso aos 17
anos por alguns furtos e apareceu em um jornal. Cursou a faculdade de
Arquitetura da USP e largou após ter se dividido entre sua promissora carreira
como cantor/compositor e seu curso: acabou largando para viver-se da música e é
convidado para adaptar uma obra de João Cabral de Melo Neto, “Morte e Vida
Severina” para o teatro. O álbum é, em geral, medíocre e o próprio escritor não
gostou do resultado. Grava um compacto pela gravadora RGE, com as faixas “Pedro
Pedreiro” e “Sonho de Um Carnaval”. A partir dali, foi presença marcada em
festivais durante os anos de 1965 a 1968 e depois partiu para um exílio
particular na Itália, fugindo do caos promovido pelos militares após a
declaração oficial do AI-5. Por lá, fez uma grandiosa carreira, acompanhando a
lendária Josephine Baker em uma turnê e tendo presente o amigo Toquinho,
parceiro de várias aventuras até hoje. Os encontros que mais ocorreram nesse
período foram com Vinícius de Moraes e também com Sergio Bardotti, compositor
italiano renomado por seus sucessos, e o diretor de trilhas sonoras para filmes
e arranjador Ennio Morricone, com quem viria a trabalhar num projeto chamado
“Per um Pugno di Samba” lançado em 1970. Seguido de seu primeiro LP na Philips,
o último também aonde utiliza o sobrenome “de Hollanda” e, a partir deste
período, começaria a inovar seu estilo poético e musical que segue a agradar
todos até hoje: desde os velhos e queridos fãs fiéis até os jovens que
redescobrem o seu trabalho e vivem a cultuar ao longo dos anos.
Chico Buarque de Hollanda (RGE
Discos, 1966)
A estreia em disco do cantor
e compositor mostra ser uma verdadeira obra-prima da MPB, tendo um toque de
primor e originalidade até pela capa, cujas expressões faciais “feliz-e-triste”
viraram meme de uns anos pra cá, sendo viralizante nas redes socais. Samba,
bossa, choro e até um pouquinho de baião fazem parte dos arranjos. Para abrir o
disco, a faixa “A Banda” e sua levada de marcha-rancho que venceu o II Festival
da Música Popular Brasileira, transmitida pela TV Record e que dividira o prêmio
com “Disparada”, de Geraldo Vandré e Théo de Barros, interpretada por Jair
Rodrigues (1939-2014). Seguidamente de canções como “Tem Mais Samba” (sua
primeira composição), “A Rita”, “Ela e Sua Janela”, além de “Madalena Foi Pro
Mar” e “Pedro Pedreiro”, lançado originalmente como compacto em 1965, trazendo
uma linhagem poética muito inovadora e clássica. Na sequência, temos “Amanhã
Ninguém Sabe”, “Juca” e a suavizante bossa de tons poéticos “Olê Olá”, “Meu
Refrão” e “Sonho de um Carnaval”, sendo lado B de “Pedro Pedreiro” e que traz a
levada de sambão pra cima. Um começo ótimo pra um compositor como o Chico, e
também um excelente cartão de visitas pra quem é fã do cantor, compositor e
célebre escritor de livros maravilhosos como “Estorvo”, “Benjamin”, dentre
outros.
Chico Buarque de Hollanda –
Volume 2 (RGE Discos, 1967)
O segundo disco do nosso
protagonista desse post mostra, nas 12 faixas, um pouco da continuação do
sucesso grandioso de “A Banda” (lançada no ano anterior). Traz também uma leva de
canções sobre amores de Carnaval e uma forte presença feminina no lirismo dos
versos de determinadas canções do segundo álbum. Músicas como “Noite dos
Mascarados”, uma marcha-rancho com tom de valsa, tendo o conjunto Os 3 Morais e
dividindo os vocais com Jane (atualmente com a dupla Jane & Herondy), que
também canta em “Com Açúcar, Com Afeto”, mas desta vez solo e sem a presença
vocal de Chico. Além de “Lua Cheia”, parceria com Toquinho que marca de vez
essa união dos dois, tem a melodiosa “Morena dos Olhos D’Água”, “Quem Te Viu,
Quem Te Vê”, “Fica”, “Realejo” e também algumas canções que chegam a passar
batido como “Um Chorinho”, composta para a trilha sonora do filme “Garota de
Ipanema”, e também “Ano Novo”, uma das mais curtas canções do cantor e
compositor carioca. O disco foi lançado após Chico ter concorrido ao III
Festival da Música Popular Brasileira e levado um disputado terceiro lugar com
a canção “Roda-Viva”, acompanhado do grupo MPB-4 e tendo deste grupo a presença
forte de Magro, responsáveis pelo arranjo de seu segundo disco, que mostra um
Chico segurando seu violão com o rosto sombreado, fotografado por David Drew
Zingg. Nesse ano, também lançou um
compacto especial de natal para a imobiliária Clineu Rocha, tendo como refrão
"tão bom, tão bom, tão bom que foi o Natal / ai quem me dera fosse todo
ano igual", com letra e melodia grudantes, tendo a mesma fórmula de
"A Banda". Chico ficou zangado após ela ter tocado nas rádios, pois
era uma gravação não-comercial feita apenas para a empresa. No mesmo ano, também
houve o lançamento de um compacto contendo "Onde É Que Você Estava?",
"Umas e Outras", "Benvinda" e "Até Pensei".
Chico Buarque de Hollanda –
Volume 3 (RGE Discos, 1968)
Não, o disco de 1968 não soa
completamente igual aos dois primeiros. Algumas faixas podem até carregar o ar
de samba de certas canções, mas nada que a crítica especializada possa
considerar “repetente” demais nos arranjos e o olhar sério na capa já diz
exatamente tudo. Lançado entre o período que concorria com Tom Jobim no III Festival
Internacional da Canção com “Sabiá”, interpretada por Cynara e Cybele, na
época, do Quarteto em Cy e meses após ver o seu trabalho no teatro sofrer
golpes fortes, a peça “Roda Viva” sofreu um baque dos membros do CCC (Comando
de Caça aos Comunistas), destruindo os cenários e espancando os atores, dentre
eles a esposa Marieta Severo, trouxe um pouco de evolução para o compositor,
evitando os rótulos de “o Noel Rosa contemporâneo” ou “sambista”. Traz também o
marco de uma parceria que duraria mais de 25 anos com o Maestro na faixa
“Retrato em Branco e Preto”, grande destaque neste disco. E como não falar da
beleza poética dos versos de “Januária” e “Carolina”, algumas das tantas
mulheres que Chico vive a cantar em suas músicas?! Aqui, temos como destaque a
faixa “Roda Viva”. Foi aproveitada com o mesmo arranjo que se apresentou no
festival de 1967 junto do MPB-4. A faixa “Ela Desatinou”, que abre o disco,
mostrava logo um Chico se distanciando dos temas típicos em seus primeiros
discos: amores de carnaval. Já em “Desencontro”, se tem a notória presença de
seu amigo Toquinho nos vocais. A irmã Cristina aparece cantando em “Sem
Fantasia”, num dueto impressionante. Para o final, temos “Funeral de um
Lavrador” musicado de um poema de João Cabral de Melo Neto e um tema
instrumental feito para a peça “Morte e Vida Severina”, todo com orquestra e
coro, fechando o disco.
Nesse mesmo ano, lançou
compacto contendo "Bom Tempo" e as já lançadas "Pedro
Pedreiro", "Sonho de um Carnaval" e "Sem Fantasia".
Chico Buarque de Hollanda na
Itália (RGE Discos, 1969)
Após o AI-5 ter se
instaurado, nenhum setor artístico e da imprensa teria mais sossego com a forte
presença dos militares intervindo na Censura. Alguns artistas tiveram que
deixar o país com medo, logo de cara: Gilberto Gil e Caetano Veloso foram
presos em São Paulo após o Natal e obrigados a passarem um regime domiciliar na
Bahia meses depois, e em julho de 1969 foram para a Inglaterra. Nara Leão, a
musa da bossa nova e inspiração para várias cantoras, partiu para a França com
o amado Cacá Diegues. Chico fora convidado para um evento do MIDEM em Cannes,
na França, junto de Edu Lobo e Os Mutantes. Acabou se mandando para a Itália ao
lado de sua Marieta Severo e, por lá, realizou uma temporada de shows tendo a
companhia de seu amigo/parceiro Toquinho, seguindo por uma turnê com Josephine
Baker, eterna dançarina e cantora norte-americana. Por lá, ele teve uma filha
chamada Silvia, e também realizou um disco em italiano com a produção de Sergio
Bardotti, grande compositor e arranjador italiano, aonde canções como “Tem Mais
Samba” virou “C´è Più Samba”, “Bom Tempo” vira “Far Niente”, “Meu Refrão” acaba
se convertendo em “Una Mia Canzone” e “A Banda” vira “La Banda”, e das 12
canções, 9 são do primeiro álbum sendo que “Bom Tempo” foi lançado como
compacto em 1968 e “Carolina” mais “A Televisão” – que aqui virou “La TV” – são
do disco de 1968. Aqui, ele não faz feio no seu último material pela RGE e
prova que canta bem os seus sucessos no idioma de Lucio Dalla, Sergio Endrigo,
Domenico Modugno, Rita Pavone e Zucchero.
Chico Buarque de Hollanda Nº
4 (Philips/CBD, 1970)
Marca a sua estreia na
gravadora que viria a se consagrar de vez tanto como cantor quanto em vendas de
discos, fazendo parte de um time que contava com Gal Costa, Elis Regina, Maria
Bethânia, Tim Maia, Jorge Ben, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Jair Rodrigues,
entre outros. Com a batuta de André Midani, a gravadora viria a ser uma das que
mais vendia discos nacionais, com seu poderoso cast recheado de grandes artistas.
O quinto e último disco da primeira fase traz um Chico totalmente diferente,
porém muito renegado pelo próprio porque foi todo feito às pressas. Foi gravado
ainda no exílio italiano, somente voz e violão. Manoel Barenbein decidiu gravar
os arranjos e as bases aqui mesmo em terras brasileiras. Mas, ao contrário do
público, o disco é ótimo e é o favorito de muitos fãs e “chicólatras”. Vale se
embalar ao som de “Essa Moça Tá Diferente”, o sambalanço que abre com tudo o
disco, o pedido dele em “Agora Falando Sério”, a psicodelia de tons latinos
“Rosa dos Ventos” e seu solo de órgão que inicia a música, a caribenha “Cara a
Cara” com os vocais do MPB-4, a belíssima “Gente Humilde” em parceria com
Vinícius, baseada numa música do violonista Garoto (1915-1955) e brevemente
muito regravada, a singela “Mulher, Vou Dizer O Quanto te Amo”, além de “Não
Fala de Maria”, “Pois É”, feita em parceria com Tom Jobim, “Samba e Amor”,
“Nicanor” e “Tema de ‘Os Inconfidentes’”,
baseado na obra “Romanceiro da Inconfidência” de Cecília Meirelles (1901-1964).
Essencial demais para o legado da obra musical de Chico, merece ser reouvido
várias vezes para entender o trabalho dele.
Porém, o resultado até hoje
confunde o próprio artista. Bom, enquanto ele não morre de amores pelo disco,
eu o acho formidável. Apesar de, comparado às suas obras anteriores, ter uma
quantidade menor de hits, a obra no geral é bem interessante. Nele, Chico rompe
com sua poética de antes, como se mostra evidente em "Agora Falando
Sério":
“Agora falando sério
Eu queria não cantar
A cantiga bonita
Que se acredita
Que o mal espanta
Dou um
chute no lirismo
Um pega no cachorro
E um
tiro no sabiá
Dou um fora no violino
Faço a mala e corro
Pra não ver a banda passar”
Só para nota,
"Sabiá" é uma música sua com Tom Jobim, de 1968, e "ver a banda
passar" é parte da letra de "A Banda". Chico realmente
"chutou" o lirismo de antes e se mostrava disposto a fazer uma obra
mais séria, o que só veio a se concretizar no seu próximo álbum, Construção, de 1971.
Comentários
Postar um comentário
Por favor, defenda seu ponto de vista com educação e não use termos ofensivos. Comentários com palavras de baixo calão serão devidamente retirados.