Um disco indispensável: Off The Wall - Michael Jackson (Epic Records, 1979)

1969: a América começava a conhecer definitivamente aquele grupo de irmãos negros vindos do estado da Indiana que dançavam, cantavam e ainda mostravam um estilo bem jovial: estes eram os The Jackson 5, que contava com Jackie (1951), Tito (1953), Jermaine (1954), Marlon (1957) e o caçula dono de um sorriso encantador e de um rosto meigo: Michael (1958-2009). Eles haviam assinado um contrato com a gravadora Motown, tendo como madrinha artística na carreira e na gravadora Diana Ross - amiga e paixão platônica do pequeno Michael com seus 11 anos, eles conseguiram serem conhecidos até no mundo. Em diante, o grupo que começou em sua pequena Gary, fazendo shows em clubes inapropriados, em festas locais, acabou virando o mais novo fenômeno pop de um período em que o soul ganhava mais relevância com o Funkadelic de George Clinton, Sly & The Family Stone, James Brown, Isaac Hayes, War, e a inovação no jazz com elementos de rock e funk por meio de Miles Davis, inicialmente com o emblemático In a Silent Way, e atinigindo o nível elevado do nirvana com o marcante Bitches Brew, de 1970. Já os Jacksons, começaram a mudar de vida, numa rotina que parecia muito pesada: dos ensaios longínquos das músicas e coreografias, gravações de músicas e programas de televisão, todo um mecanismo build up que ajudou a colocar os irmãos entre os artistas mais populares do começo dos anos 70: emplacando sucessos atrás de sucessos com I Want You Back (1969), ABC (1970), I'll Be There (1970), Maybe Tomorrow (1971), Never Can Say Goodbye (1971), Lookin' Through The Windows (1972) e Little Bitty Pretty One (1972) são os tantos sucessos que eles colocaram nas paradas, sempre dando ao público o melhor deles como sempre. Porém, o que os atrapalhava era a questão de que eles jamais tinham total intervenção na parte artística, de poder contribuírem e terem uma certa liberdade criativa, coisa pouco desfrutada por eles. Mesmo que Gordy tivesse uma admiração enorme por Michael e o considerava até mesmo um gênio e um dos maiores ouvintes que conhecera, o chefão da Motown não sabia que uma hora as coisas ficariam mais diferentes para o grupo, e na época do álbum Lookin' Through The Windows, iniciou-se uma investida de Michael como artista solo, apelando para um lado mais romântico - e aí temos o primeiro trabalho solo dele, Got To Be There, com a faixa-título e também Ain't No Sunshine conseguiram agradar as fãs do grupo, e em seguida, no mesmo 1972 veio o segundo solo: Ben, cuja canção homônima era a história de um ratinho - o começo da sua discografia individual já mostrava que ali havia grandes canções na voz do jovem rapaz de 14 anos, que estampara em 1971 a capa da revista Rolling Stone. O começo do fim da parceria entre os irmãos e a Motown foi depois que a gravadora de Detroit negou o pedido de Michael para cantar suas próprias músicas nos álbuns solo e do conjunto, o que ficava claro que não haveria espaço para fazerem o que os colegas Marvin Gaye e Stevie Wonder estavam fazendo em seus long-playings. Em 1975, o grupo gravou seu último trabalho pela casa, o quase esquecido Moving Violation, marcando ali o fim de uma parceria que prometia ser duradoura, mas com as imposições que não cederam a eles o direito de poderem fazer algo que queriam tanto fazer. Meses antes, Michael agora com 16 anos gravava seu quarto álbum como solista e o último na Motown - com o nome de Forever, Michael, o título parecia bem uma espécie de despedida do que havia sobrado da pureza adolescente de um menino que o mundo viu crescer tão rápido.
A mudança de casa fonográfica, porém, ajudaria em alguns problemas: como o nome The Jackson 5 era de propriedade da gravadora de Detroit, e ainda que Jermaine não pôde seguir com os irmãos devido ao fato de ser genro de Berry - ele casara com a filha Hazel, e em seu lugar entrou o novato dos irmãos Randy, de apenas 15 anos. Eles assinaram com a CBS Records sob o nome de The Jacksons, e os dois primeiros álbuns até que fizeram um sucesso relativo: o primeiro, The Jacksons (1976) ajudou eles a mostrarem uma nova faceta na sonoridade, enquanto o sucessor Goin' Places (1977) ajudou a ser o disco menos vendido do conjunto, e por pouco o grupo perde espaço na mídia. O grande salto da volta por cima acontece em 1978, nas gravações do próximo trabalho, o mundo ainda se jogava nos embalos de sábado à noite com Bee Gees, Donna Summer, Gloria Gaynor, Chic, KC & The Sunshine Band e o sonho de muitos era se esbaldar na famosa pista de dança do Studio 54 em meio a tantas personalidades famosas, a música discothèque era tudo aquilo que a selvageria do punk de Sex Pistols, Clash, Damned, Talking Heads, Dead Boys, Television e Ramones abominavam com total desprezo - a disco music ainda perduraria nas paradas até certo momento dos anos 80. Com a feitura de Destiny, o décimo-quinto trabalho e o seu melhor momento pós-Motown, ajudou eles a emplacarem Blame It On The Boogie tornando-se o grande hit de 1978 e 1979 - e o álbum venderia mais de 5 milhões de cópias, e isso deu a deixa para Michael reinvestir na sua carreira solo. Mas, antes, vamos falar de um encontro que fez o destino alinhar duas pessoas no mesmo lugar: durante as filmagens de uma adaptação diferente de O Mágico de Oz totalmente com atores negros, chamada The Wiz (O Mágico Inesquecível - título brasileiro), ele esteve com o produtor musical Quincy Jones, e ao lado deles, sua madrinha artística Diana Ross, e também nomes como Mabel King, Ted Ross, Lena Horne e Stanley Greene mais o lendário comediante Richard Pryor - no filme, Ross vivia Dorothy como uma professora do Harlem enquanto Michael era o espantalho no mundo de Oz. A parceria de Jackson e Jones ajudou a florescer uma nova perspectiva, e foi sua melhor experiência - o que rendeu o pedido de Jones para produzir um álbum futuro. E isso lhe foi concedido, porém, buscava mais liberdade criativa, que soasse diferente dos álbuns com os Jacksons, e ele decidiu buscar a sua identidade sonora a partir desta parceria. Com as gravações ocorrendo de dezembro de 1978 até o dia 3 de junho de 1979 em diferentes estúdios de Los Angeles - o Cherokee, o Allen Zentz Recording mais o lendário Westlake, com um super time de músicos que ajudaram na construção de um belo trabalho do Rei do Pop, desde Steve Porcaro (tecladista do conjunto Toto), os tecladistas George Duke, David Foster e Greg Phillinganes, o baixista Louis Johnson, os guitarristas Larry Carlton e Marlo Henderson, o baterista John Robinson mais os percussionistas Richard Heath e Paulinho da Costa (esse é BR) além de um naipe de metais regidos pelo trompetista Jerry Hey e o irmão Randy contribuindo na percussão. Disco pronto, era o momento de lançar nas praças o tão esperado trabalho inédito à época: com 10 faixas, uma pegada mais solar e muito mais empolgante, e com o título de Off The Wall, ele fez mostrar o real amadurecimento artístico de Michael, que, acerca de completar 21 anos no dia em que saiu o quinto LP solo Off The Wall em 10 de agosto de 1979. Na capa, um rapaz negro vestindo um smoking como se estivesse pronto para se divertir em frente a um muro, e suas meias brilhantes que tornariam-se marcas registradas da sua imagem - é uma das capas mais icônicas do pop e é basicamente um convite para se jogar na pista de dança sem parar. É como se fôssemos pegar a imagem dele ainda mais novo quando ainda estava surgindo na Motown juntamente da imagem de Off The Wall e pensar: quanta diferença, das músicas, da voz que tinha no começo e agora mostra-se muito mais diferente, ousado e preparado para decolar em um voo maior ainda. Ele não queria mostrar somente aos irmãos o seu potencial maior fora do conjunto que o aclamou, mas também para o pai, Joe Jackson, que tanto o desprezou, humilhou e via em Michael um rapaz feio, que agora era do jeito dele mesmo - e, tal como diria Zagallo 18 anos depois, ele teria que fazer o velho engolir a nova fase artística.
Quando Michael decidiu se soltar de vez com o auxílio de Quincy, eles não bobearam em nenhuma faixa de Off The Wall, mostraram que dava pra mudar sem perder a essência e o talento - duas coisas indispensáveis do cantor: quando a marcação de chimbais feita pelo baterista John Robinson e o baixo groovy de Louis Johnson dão a sequência inicial de Don't Stop 'Til You Get Enough, com MJ sussurrando coisas como "You know, I was/I was wondering you know..." (Você sabe, eu estava/Eu estava pensando, você sabe... - tradução livre) e termina de cara com "It make me feel like..." (Isto me faz sentir como... tradução livre) seguido de um "auuuu", um tique vocal marca registrada de Ross que também ficou popular com Jacko, esse começo mais suave soa como se ele estivesse conversando com seu par durante um momento íntimo, e do nada, cordas, metal e uma base mais dançante com os falsetes de MJ mostram uma música mais dançante, mais solar e muito mais inspirativa, não é à toa que, como compositor, ele acerta em cheio pedindo para que não parasse até se satisfazer - coincidência que a música aqui ficou eternamente lembrada por ter sido em seus 35 anos no ar, tema de abertura do Vídeo Show (TV Globo); a seguir, outro tema de puro embalo dançante e que nos faz sentir-se numa pista de dança de New York, Londres, Paris ou até mesmo em alguma nightclubbing de Rio ou São Paulo, esta é Rock With You, com a mesma vibe disco-funk que é capaz de deixar rolar, um convite à curtição com aquela pessoa que você ama estar ao lado - basicamente o que significa a letra desta; enquanto a sonzeira do álbum mostra que Michael estava melhorando cada vez mais, o baile não podia parar de vez - nem mesmo em pérolas como a faixa seguinte, Workin' Day And Night é empolgante e dá a sensação de que estamos indo no caminho certo guiados por Jackson, e fala de um alguém que faz o eu-lírico trabalhar por dia e noite com um funk mais acelerado e de toques latinos na levada rítmica - culpe a percussão, em especial Paulinho da Costa, o brazuca responsável por esta essência que ajuda na música; mais outra música que não decepciona a gente quando o assunto é fazer a festa com o Rei do Pop e mantendo um clima enérgico que reina na sonoridade é Get On The Floor, música que colabora e muito a seguir essa trilha dançante e com um astral totalmente discothèque, o baixo e a bateria ajudam muito nessa alquimia musical, a letra trata sobre Michael tentar atrair alguém para a pista de dança numa boate, e poderia soar como uma canção de sexo disfarçado - como muitas da época; em seguida, outra sonzeira que não faz feio aqui e mostra como construir belas melodias em cima de canções balançadas e sem tirar o groove que dá o tom preciso, Off The Wall é uma daquelas canções que paramos pra prestar atenção, ela gira em torno de uma ideia de não ter preocupações e viver rápido, que é o que ele mais destacava nos primeiros anos, porém, as acusações polêmicas e todas as controvérsias de sua vida pessoal o atrapalharam isso; com uma base mais suave e melódica, sem deixar vestígios, temos aqui uma faixa diferente de todo o repertório - mais por ter sido escrita por um beatle do que por fugir do estilo (mas o contrário), Girlfriend casou com o repertório do disco e inicialmente fora gravada pelos Wings, a banda de Paul McCartney - o autor desta - que fez especialmente para ele e que depois dos Wings, Jones sugeriu que Michael gravasse - e que fez um belo trabalho de colocar suingue nessa canção com uma atmosfera mais romântica sobre alguém que pede a uma moça chamar seu namorado e dizer a este que ela é sua namorada - como se estivesse colocando os "chifres" na cabeça do rapaz ao vivo; e diminuindo o clima do disco, temos aqui uma das canções mais tristes e lentas da carreira dele, quase sem a presença de bateria, a emocionante She's Out of My Life, na qual, acompanhado somente de baixo, guitarra, piano e um arranjo de cordas feito por Johnny Mandel, fala sobre alguém tão importante que o deixou nos 2 anos de um romance que o marcou, a composição é de Tom Bahler, mas soa como criação de Jacko, e, podemos ouvi-lo chorar baixinho numa canção com tanta suavidade instrumental; na sequência, ainda com essa suavidade reinando parte do lado B, temos aqui uma bela gravação de I Can't Help It, criação de um ex-colega de Motown, refiro-me a Stevie Wonder, em uma boa mistura de paixão e de descontração que com o arranjo similar aos das canções dele naquela época, ajudam e muito a dar um brilho nessa sofisticação que agrada; ainda dando um enfoque nesse tom mais soft rock do álbum, temos aqui um belo exemplo de fazer um funk bem envolvente na canção It's The Falling In Love, um belo dueto com Patti Austin na qual a atmosfera sonora bem a cara de 1978 ajuda muito na base, e fala sobre estar apaixonado e a vontade de poder expressar sem timidez à quem você sente tudo isso, bem divertido; agora, para fechar este álbum, uma canção pra cima e solar, com um forte naipe de metais mandando ver em Burn This Disco Out, novamente uma espécie de convite pra voltar à pista de dança e se despedir com puro estilo, nessa disco-funk que soa como uma canção-irmã de Blame It On The Boogie, dos Jacksons - e fechando com chave de ouro a prova de fogo do seu amadurecimento artístico.
Com este álbum, Michael começou a sentir-se mais seguro para tomar decisões artísticas da sua forma, sem dar ouvidos para os conselhos do pai, e, finalmente, pôde colocar isso em prática mais ainda no álbum seguinte com os irmãos, Triumph (1980) cuja tournée teve apresentações onde interpretava com os irmãos canções do álbum, e ainda antecedeu um salto maior na carreira de Michael, ocorrido três anos depois com seu sexto LP solo intitulado Thriller - mas aí já é uma outra história e que já contamos aqui. No decorrer dos anos, o álbum têm ganho um enorme destaque na sua discografia, pelos seus elementos totalmente embalantes e totalmente a cara daquele período - este trabalho de volta por cima teve o prazer de manter presença na famosa lista da Rolling Stone dos 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos, destacando a influência de Quincy e seu papel, com o 87º lugar. Nenhum álbum dele deixou de ter o brilho que manteria em seu conjunto da obra, e isto é mais uma prova de que MJ está muito mais vivo do que se imagina, pois o homem já não está mais, mas a sua magia e seu legado sim.
Set do disco:
1 - Don't Stop 'Til You Get Enough (Michael Jackson)
2 - Rock With You (Rod Temperton)
3 - Workin' Day And Night (Michael Jackson)
4 - Get On The Floor (Michael Jackson/Louis Johnson)
5 - Off The Wall (Rod Temperton)
6 - Girlfriend (Paul McCartney)
7 - She's Out of My Life (Tom Bahler)
8 -  I Can't Help It (Stevie Wonder/Susaye Greene)
9 -  It's The Falling In Love (Carole Baye Sager/David Foster)
10 - Burn This Disco Out (Rod Temperton)

Comentários

Mais vistos no blog